Sou poeta?... 

        Se o moço diz que sou,  
                     Se for coisa boa... 
                                     Eu devo ser!

 
Sou o que as pessoa oia e mi pregunta...
Tu é analfabeto, num sabe  escrevinar  nem o teu nome?...
Ai eu arrespondo sem um tico de vergonha, sei não señor!
Se butar um lapi e um papé, marmentemente faço um garrancho, que quem lê, diz que é meu nome!
 
Fui minino pobe e andei de pé no chão, fui pegador de lagartixa e peixe no anzó. Era atirador de baladeira, caçador de rolinha e avuante.
Comi fruta do mato, peguei preá, teju, tatu, pepa  e camaleão para cumer e dá di cumer a miná mué e prus meus fio arguma coisa que num fosse só mí, cuscuz, farinha e feijão.
 
Andava com os pé nas apragatas, mermo assim era tudo tudo estrupiado, arrancado os chaboques dos dedos dos pé, os carcaniá era  rachado de andar na terra quente, pisei muito  em ispin de cardeiro, fui de arranhar o lombo entre os pé de pau de sabiá e  marmeleiros.   Comi escorado no pé de cuandu de carnaúba e tirava um cochilo adibaixo das oiticica.
 
Meti a mão no oco do pau branqueiro para pegar favo de mel de abeia.  
Varei a mata campeando boi, andei de jumento em lombo seco no puro espinhaço do pobe coitado, e de bricicreta fui pra missa em dia de domingo e dia santo...Nunca perdi uma missa num dia de São José nem da minha Nossa Senhora de Fatima.  
Agora seu moço... Escrevinar como já falei, nun  escrivino nadinha  não...
 
 
Mas Deus me deu um dã!...
Di dizer coisas bonitas e as vezes inté um bucado tristes...
Cá neste lugar ou se morre de tristezas ou se vive a festejar... Quando ta bom, ta bom demais, agora quando ta ruim... Acho que só Deus fica aqui!
 
Como eu tava li dizendo lá atrás da nossa prosa que terminei impaiando com outra conversa... mi iscuita,  quando desabo  a falar digo  as coisa que nem mesmo sabe lá eu o que  disse.
Mais quem pois as ouça para iscuitar a minha conversa... Ai seu moço, já vi caba arregalar o zoi e ficar abismado! Já vi agua no canto dos zoi de quem mi iscuitou, é que eu sei, que entre uma e outra prosa, falo coisa boa, mas  falo coisa triste que aconteceram aqui no meu sertão... 
Quando falo  do meus pobe animá, que morreram de fome e sede, por farta d’água e por farta do qui cumer no cercado,  mermo que de jueio eu pedisse e implorasse a  Deus do céu para num levar os meus bixo  por esta dizaumada situação!
 
Vi com estes meus zois que a terra ai de cumer... vi bixo com zoi fundo de tristeza e de fome morrer.
Mas também, vi com alegria e sartisfação o sorriso de quem me iscuitou ao falar de coisa vivi de alegreza.                                                  
Ai, quando me danava contar as coisa boas vi também sorrir com a boca arreganada de um canto a outro, quem na hora me iscuitava!...

 
Quando falava da Frizolina, moça formosa,  um lapa de mué, que se você andasse dez léguas e meia, num tiná outra mais bonita... Era  fia do Seu Quiquim de Maria e da miná madriná Apolinária de Bento. tudo gente daqui mermo du lugar, ela tinha mais irmã, mas foi dela que fui me engraça...
Como ela me casei, fiz fio que parecia ninhada de gato... Era uma atrás do outro, mal dava tempo u menino ingatiná o outro já tava na bica para nascer. Pa miná sartifação tudo tinha nome de santo... Otoin, Jão, Pedo, Maria de Fatima e da Conceição... O bixim que Deus levou ir ser Francisco se fosse homi ou do Carmo se fosse mué!
 
Ai, Frizolina se foi cedo... Mas Deus que quis assim... Louvado seja Deus! A moça mais linda que já vi... Me lembro demais dela... Indagurinha mermo,  me alembrei dela! E a hora do café, se estivesse aqui o moço tava tomando uns goipin do café feito e torrado na hora.
Da saudade...  Foi tão cedo, quando sexto fio nasceu Deus levou os dois lá pá banda do céu que era este o seu lugar.
 
Quando falava do meu amor, isto eu sei o que é... Essa coisa que da na gente, que deixa besta que nem jacaré que morre de boca aberta... Mas que este negocio quando a gente encontra alguma pessoa que da certin com a gente, e você sabe no que que dá... Logo uma vontade de casar...
Ai vem os fios, famía e ai eu posso dizer... A coisa foi boa demais da conta...
Se o tempo vortase pra trás, eu queria tudo de novo... É isto eu sei, foi amor... Que o caba só quer vortar pra trás se o chamego foi bom... Só amor faz agente querer voltar pra trás...quando a coisa e ruim  a gente vai pra frente sem oiá o que perdeu ou o que deixou....
 
Das coisa boas que falei... Lembro-me da invernada, da passarada e do gado, dos bode das cabras e das uveias no campo a pastar, na mesa com fartura, nunca fartava jerimum, macaxeira, batata doce, mi verde, canjica e muncunza, queijo, quaiada e nem a fariná e nem a rapadura... No pote água fresca.
 
E me perguntar de onde tirei tal imaginação. Cá dos meu miolos, eu arespondo em riba da bucha...
Seu moço, na verdade nun sei, mas quando da uma coisa aqui dento começo a dizarnar uma vontade de falar...
Dai sai coisa mais linda do mundo, e  já me disseram que é uma tal de poesia, outro dizem que é pura aresia... Coisa de gente abestaiada...
Mas num ligo não, as coisa boas vem do coração e das armas boas e  de quem  ama sua terra e seu povo e sua gente!
Já disseram inté que sou um tal poeta nato, nem sei se isto e bom ou se é ruim...
 
Teve um que passou para o papé tudo que eu dizia e  que ele mermo falava que aquilo era poesia...
 
Passado um tempo, ele vortou e vei com isto aqui dizendo que era um livro das minhas prosas e poesias...
 
Eu abro e num vejo nada, só umas carreirinhas de letras que eu nun sei juntar para saber o que é.
Eu queria sabe ler só pra ver se é verdade se o que sai da minha boca é coisa que  Deus quer, e se é como o povo diz, que sou feliz mesmo não sabem que sou um matuto que fala o que pensa e o que quer.
E se ele Deus  me fez este tal de poeta, benza meu Pai do Céu, louvado seja nosso Senhor Jesus Cristo e que Deus seja louvado!
 
Perdoe este pobe coitado que nem  ler sabe!..
Se diz as coisa que vem do coração é porque Deus me deu este dã... Dã de homi bão e poeta do povo e do sertão amado, mermo sendo o tal do poeta disletrado!
 
 
Russas, 15 de agosto de 2013
 
 

 
Francisco Rangel
Enviado por Francisco Rangel em 15/08/2013
Reeditado em 19/08/2013
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