Abrindo as portas da percepção
“Quem um dia irá dizer que não existe razão
Nas coisas feitas pelo coração”
(Eduardo e Mônica: Legião Urbana)
Adentro-me pelo corredor... Negro, comprido, estreito
Um buraco de minhoca acarpetado, do mundo externo, isolado
Ansioso, mãos nos bolsos, jeans em passos rápidos na captura da audição
Abro a porta, sinto a vibração, o som bate em todo o meu corpo, a luz me cega...
Corpos em movimento, serpentes verticais flutuando entre nuvens...
... De fumaça fria, que música é essa? Será ela, acústica ou sintética?
Dá-me boa impressão... Momentaneamente me sacia
... E, enquanto não a defino, com empírica precisão
Vou olhando para as moças, longilíneas, seus cabelos, seus aromas, suas cores
Rostos pintados, cabelos soltos... Desligo os olhos, acendo os ouvidos
A música, a voz do Renato, a história sem refrão
Um casal e seus dois filhos, seus dilemas, suas férias e a recuperação
... Vou gostando do enredo, da batida do violão... Traz-me a obsessão!
De dançar, mexer os braços, movimentar a cabeça...
... Liberar meu espírito dentro desse enorme galpão!
Aliás, o cheiro do espírito juvenil paira no ar
Entope minhas narinas, pela boca, respiro...
... Minha garganta vive seca, preciso de algo para umidecê-la
Pouca luz, efeitos; silhuetas... As garotas, ferinas, se movimentam lentas
Ah, essas garotas, conheço-as quase todas, pois...
Vivemos nos mesmos refúgios coletivos de sábado a noite
Arranham-me com seus olhares, tocam-me com os cotovelos
Pisam em meu pé, pairando no piso quadriculado
Preto e branco, grudo-me em suas roupas de vinil, tão aderentes...
... Pretas brilhantes, será que estou ampliando minha percepção?
Ah, na dúvida... Lembro-me das "Portas..." de Huxley¹ enquanto o DJ ataca o “Dois” da Legião.
*Dedicado a ‘Legião Urbana’ e sua canção: “Eduardo e Mônica” do álbum “Dois” lançado em 1986 e que embalava minhas festinhas de sábados à noite.
¹Aldous Huxley (1894 - 1963), escritor e ensaísta.