O DIA SEGUINTE

Na casa do rico come-se muito e ama-se pouco;

Toda grande refeição requer digestão e descanso.

Para amar é necessário trabalho, dedicação e perseverança.

Na cada do pobre quase nada se ama, quase nada se come.

A fome descansa aos domingos e se renova a cada segunda.

Amar requer energia que pouco se tem com alguns grãos de feijão.

Daí nascem os filhos. Espectros acesos de noites mal dormidas.

Nada contra o rico e nem contra o pobre.

Não se há de ser contra com o que já está instalado e é norma.

A lei regula as plantações, os plantadores regulam o que plantam.

Os que estão entre fazem sua parte:

Põem preço no que a terra produz e almejam lucros e não perdas.

Instalam suas barracas, mercearias, supermercados, quitandas,

escrevem à mão o necessário para a compreensão do público

e contam os lucros no final do mês, seja do rico, seja do pobre.

Dos males da humanidade o pior é a fome.

O homem acorda e com ele acorda o que vai lhe comer por dentro.

Não há parada para essa ingrata forma de levá-lo ao trabalho.

Nem o prazer o descansa, somente um bom almoço ou uma boa janta.

Na casa do homem o pensamento é incessante.

O que será o amanhã?

Alguns seguem pela estrada que escolhem e observam as altas torres

abarrotadas de vidro escuro a guardarem segredos comerciais.

Lampejos de curiosidade aqui e ali, mas nada forte para que o caminho

seja transformado e dali surja um ser que dá com os nós dos dedos

nas imponentes portas dos razoáveis e dos astutos.

Segue o risco que está no chão traçado e apenas seus olhos vagam,

às vezes, como que a procura de um consolo para tão dura caminhada.

Do alto da torre o homem observa o homem a observar a torre.

Ri seus dentes amarelos, não de ouro, mas da força do cigarro,

ajeita o terno e sente uma certa comiseração, desagradável, é claro,

que lhe infesta o peito como um pigarro que escapou pela clarabóia

dos pulmões.

Mas o que fazer?

A alta do dólar, o que sabe aquele pobre homem sobre as oscilações

do mercado?

O que faria se visse suas ações despencando do alto da soberba

e, ao caírem, fizessem tanto barulho acordando as criancinhas

do orfanato ali em frente?

O pobre não pode e nem deve saber de certas coisas que lhe fogem

à sua compreensão; nem deve perceber que o castelo de cartas

que vê ao longe está sendo manipulado por prestidigitadores da mais

alta competência e que arriscam seus pescoços todos os dias,

para manter a ordem estabelecida e vigente.

A fome da máquina: o que ele pensaria disso?

Que a máquina tem boca e todos os dias deve ser alimentada

com tostões e papéis impressos que respondem pelo Tesouro Nacional?

Creio que o pobre deve viver a própria fome e nela compreender

as ações de homens que negociam com a máquina a sustentação

dos cordames, mesmo que alguns se percam despencando dos navios

quando as tormentas chegam mais fortes e os gritos desumanos

rompem pelo tombadilho arrastando-os até a boca faminta do mar.

O rico come pouco para ter mais para o dia seguinte.

O pobre come o que tem porque sabe que pode não haver

o dia vindouro que, se vier, pode torná-lo pedinte.