Antes do amanhecer
“Sem ninguém lhe esperando
Passou a noite só e, na alvorada, partiu.”
(Edy Woody)
Quem é o hóspede que se adentra?
Que irrompe a noite e chega carregando algo precioso...
Algo que me seduz; sua bagagem pesa, o peso de muitas almas
Marcas do passado, lhe reconheço mesmo na pouca luz
Na estalagem, noite fria; despe-se do sobretudo negro
Negro como a noite; surgiu do nada e adentrou-se pairando
Pelo saguão do velho hotel Mario Quintana...
... Que, há tempos, não recebia hóspede nenhum
Pareceu-me tão encantador...
... Tão hermético, tão sedutor
Não havia um só quarto que lhe coubera
De tão grande e portentoso, nada, suficiente, lhe era
Dia e noite ansiei por um hóspede
Agora, diante dele, meus lábios se calam
Não lhe concedo o valor da diária
Afinal, fantasmas não dormem e nem tomam café da manhã
Antes de subir, tome meu coração, inspire-o...
... Aspire-o pela janela, não me mostre sua face
Diante dela, várias cartas foram queimadas, e
Ninguém mais pode decifrar os enigmas do seu diário
Aguardei-lhe em paciência, só tu sabes o quanto...
Confiante da vinda, minha esperança manteve-me aguardando-o
Pelos cantos, escondia-me dos encantos do mundo, da vida fora daqui
Agora, diante de ti, suplico-lhe: Por favor, afaste-se de mim!
Faz-se a hora, sabes que não poderá demorar... Suba para o quarto que lhe reservei
Na sua presença, tornei-me criança fragil e nunca poderei ferir-lhe
Sem pestanejar, imploro-te: Antes do amanhecer, deverás partir
Nunca mais retornar, e desse lugar se esquecer, ainda há tempo
Haverá tempo de se esquecer desse lugar; haverá tempo... Mestre?
Mas, de ti, nunca me esquecerei...
*Baseado em: “Do alto dos montes”: Friedrich Nietzsche