O dia em que conheci o paraíso- O mais feliz da vida inteira!
Quinto relato com o cogumelo de Deus
(O mais intenso e emocionante!)
Berna era uma das pessoas especialíssimas que eu havia planejado presentear com a experiência do cogumelo mágico. Em oportunidades anteriores, por motivos diversos, não aconteceu de ele poder participar. Neste quinta feira de manhã estava preparando o banho do meu cachorro, quando recebi a visita, sempre bem vinda, do meu amigo Berna. Conversamos e falei a ele sobre o presente que havia ganhado (18g. de cogumelo cubensis), e também da minha intenção de que ele tomasse, já estava destinado.
Ele me confidenciou estar um pouco conflituoso em relação a dúvidas, pensamentos, problemas, enfim, as coisas da vida que todos passamos. Falei a ele que não tinha pressa, no dia que acontecesse, era porque tinha que ser, e ainda que o cogumelo podia dar respostas a ele. Então, com toda tranquilidade do mundo ele propôs tomarmos naquele dia.
Respondi que sim, não havia problema algum. Desmarquei o compromisso de levar a sobrinha ao circo, convidei-o para almoçar e preparei a bolsa com roupas para frio, incenso, frutas, água e claro, o cogumelo. Almoçamos soja e dispensamos o frango e a carne que haviam. Ele mora a poucos minutos da minha casa e tinha que passar lá para uma breve arrumação, já que seus tios chegavam de viagem no dia seguinte e a casa estava uma zona. Já na proposta coletiva de harmonização, me propus a ir com ele para ajudar, assim ganhamos a companhia um do outro e também tempo. Eram quase três da tarde quando saímos da sua casa, de moto, rumo à prainha de Cotovelo-RN. Levei três gramas com suco de abacaxi, de forma que deu dois copos para cada um.
Chegando ao topo da falésia, onde o visual já proporciona um presente incrível, enchemos os copos e brindamos “ que o cogumelo lhe traga respostas” falei. Berna estendeu o brinde dizendo “ a nós”. Dali descemos por uma trilha até a praia. Semi-deserta, apenas um senhor desfrutando do mar, alguns barcos em pesca e nós, sentados na frente de um barquinho em descanso na areia, onde vimos o cadáver de um peixinho dentuço, o qual me identifiquei bastante, haviam também alguns siris meio arredios. Ficamos conversando, rindo com os dentões do peixinho morto, e admirando o céu, que estava lindamente vermelho. Enterrei o peixe e em poucos instantes sentia-me estranha, o corpo tremendo fortemente por dentro, como se o fluxo de energia interno estivesse em total alvoroço. Neste momento chegava do mar dois pescadores e o barquinho que eles iram guardar na areia. Berna foi ajudar. Eu não tive condições de ir porque mil coisas já estavam acontecendo comigo.
Deitada na areia, olhando para o céu, tentando concentrar e ficar numa boa com aquelas inexplicáveis sensações. Vi, entre o céu e terra, um espécie de fractais de cristal, alinhando todo o espaço , como se fosse uma energia, não sei explicar em detalhes porque foge a qualquer vocábulo conhecido, era como uma tela delicadíssima e perfeitamente desenhada. Ao lado, a poucos passos, Berna conversava com os pescadores, enquanto minha cabeça tentava assimilar tanta informação nova e organizar a confusão de imagens, também novas. Tomei fôlego, me levantei e fui caminhar pela beira da falésia, onde existe uma vasta e íngreme vegetação. Encostei a mão na falésia e ela ficou da mesma cor da falésia, como um camaleão. A natureza inteira se desnuda a você, causando deslumbramento, mas também um forte estranhamente, já que ali fica claro a soberania suprema que nunca antes, havia sido revelado de forma tão verdadeira e intensa. Então, tentarei focar no relato as coisas menos subjetivas , pelo fato não só de terem sido infinitamente reveladoras, mas exatamente por serem fora do encaixe de qualquer adjetivo ou classificação literária. Qualquer palavra restringe, classificação ou descrição.
Voltei meio embriagada ainda pela pulsação interna, onde estavam nossas coisas e Berna não demorou. Sentou-se ao meu lado e falei que várias coisas já me aconteciam, rimos bastante, porque com ele também não era diferente. Estávamos numa realidade diferente de todos, porém, realíssima. O vermelho do céu era fantástico. Abriam-se entre a nuvem imensa e vermelha buracos roxos, verdes, amarelos, azuis, rosas. Nunca tinha visto nada parecido. Tive breves sensações de estar gigante, fiquei completamente cor de rosa num momento, ele me viu também dessa forma, eu o via todo, em composição do corpo por dentro, com toda a pureza de sua alma. Os cachos dos cabelos dele eram perfeitos, mais que perfeitos. Ele jogava capoeira na areia, e cada movimento era lindo e espontâneo.
Ele foi caminhar pela praia, agora totalmente deserta, eu fui atrás. Em alguma rachadura entre a vegetação da falésia, ele foi subindo até esbarrar numa teia de aranha, a qual destruiu, logo pediu desculpas. Subi em seguida e vi Berna abraçado numa rocha claramente emocionado, dizendo “ Há quanto tempo! Que saudades!” e me apresentou a rocha como sua amiga. Foi um reencontro fantástico e resolvi subir até onde tinha caminho. Ele desceu para a praia e lá do alto, eu ouvia seu pensamento, com sua voz mesmo, chamando pelo filho Pietro. Aquelas subjetividades todas (vamos chamar assim), sem denominação, dançavam pelos meus pensamentos. Senti necessidade de descer e o que vi foi inesquecível!
O marzão verde uniforme, o silencio das quebras das ondas do mar, o céu lindamente vermelho, o sol aberto entre nuvens mais escuras, se pondo e penetrando seus raios brilhantes de ouro em nós. Ficamos em silêncio, lado a lado, sentindo a pele, a presença, o pulsar do outro, na beira do mar, tudo era paraíso, uma beleza estonteantemente expansiva. O momento do por do sol foi, indubitavelmente, o mais inesquecível. A comunhão era plena, o amor verdadeiro, o presente real. Magnífico!
Berna olhava para tudo e perguntava extasiado “que dia é esse? que céu é esse? Que dia é hoje? Eu não sabia, apenas ser um presente a nós, e apenas nós estávamos vendo. Um imenso privilégio, no mínimo. Então ele mesmo chegava a uma conclusão “ O céu está em festa, é isso!”. E sentia vontade de chegar na cidade, abraçar as pessoas e levá-las àquele plano em que estávamos. Calmamente falei a ele que era exatamente o que eu estava fazendo, e também nem todos estão preparadas para essas respostas. Aquilo tudo, era para nós. Porque nós estávamos lá e vimos.
Estávamos boquiabertos com tanto esplendor. A gente fica querendo entender como não via essa realidade antes. Porque é a mais nítida verdade da vida, com toda sua simplicidade e enigma. Ele gritava, pedia para as pessoas olharem o céu, estava transtornado de tanta alegria. “ O céu está em festa” repetia empolgadíssimo tanto quanto convicto. Era verdade. Tudo limpo de tanta verdade. Transparente de leveza. Fui tomar um banho no mar, maré cheia, água aconchegante e envolvente, as nuvens dançavam para mim, eu boiando emocionada com o espetáculo. Cores, movimentos, amplitude. De repente, me deparo com um mini arco-íris rosa, uma nuvenzinha puxava e segurava cada lado dele. Gritei para Berna que estava na areia, ele já estava admirando.
De todos os lados havia beleza e o nosso deslumbramento quieto; O mar me embalava e ia aos poucos, indicando a hora de sair. Convidei meu amigo para entrar, ele não quis. Fiquei mais um pouco pensando se aquilo tudo era mesmo real. Questionava se não estava sonhando ou tinha morrido e estava no paraíso. Como uma resposta, senti um beliscar no meu pé. Imaginei ser um siri, e sai imediatamente da água.
Sangrava um pouco, ardia levemente, a noite foi chegando discretamente, o frio bateu. Hora ficávamos em silêncio, cada um dialogando com seus pensamentos acerca de tudo em que estávamos envolvidos, hora conversávamos. Berna entendia que no fundo todas as pessoas estão buscando exatamente o que tínhamos ali, presentemente acontecido. “ todos, sem exceção, que estudam, trabalham, todos estão querendo isso aqui, mas como vocês estão longe! Por esse caminho, estão realmente longe”. Eu entedia a eternidade. Ele via pessoas nas nuvens, seres de nuvens, enquanto o céu dançava para mim. Berna encontrava no cogumelo a chave de entrada para a flor de lótus, onde residem as mil personalidades do homem, eu também sentia, e colecionava instantes. Mil pessoas, um milhão de vidas que esquecemos de conhecer. Estavam por toda a parte, porque todas existem, e são feitas de amor.
A noite agora era absoluta. Nos agasalhamos, estendemos uma canga na areia, tomamos água, deitamos. Eu amava profundamente. A empatia com o peixe, o reencontro com rocha, a dança das areias e das luzes, o arco-íris rosa trazido pelas nuvens, a maravilhosa recepção do sol, o som contínuo do mar, os pássaros escondidos cantando, o vento bailando com a vegetação. Todas as pessoas amadas, lembrada por nós, silenciosamente. A paz abrandava a euforia dos nossos espíritos maravilhados. Meu pé ardia e latejava um pouco para me lembrar que o paraíso existe, mas tem suas adversidades. Berna tocou no corte e o alívio foi imediato. Depois voltou a doer, mas não incomodava. O que estava ali em mim era tão pleno que nada diminuía a perfeição.
Estrelas começaram a surgir como explosões de purpurinas. Elas abriam espaço na nuvem negra e se mostravam a nós. Umas dançavam, outras pulavam, outras apenas se moviam. Uma movimentação intensa no mundo estrelar. Um show pirotécnico natural direcionado a nós, e a todos que buscávamos em pensamento.
Ainda ficamos deitados pela noite, Berna parecia roncar, mas não dormia, enrolei-o com um lençol e fui caminhar pela praia escura e deserta. Chorava agradecida à vida, por estar no mais completo estado de entendimento com o mundo. Esta mesma conexão distanciada pelo controle e ganância humanos, pelos anos de contínuo isolamento tecnológico, pela superioridade que o homem julga ingenuamente ter, de forma a ignorar todo o ser redor, quando a natureza reina belamente em tudo e por todos, uma mãe generosa e amável. Enfim era filha da mãe universo, parte inteiramente ligada ao todo.
Voltei onde repousava a beleza personificada em homem. Berna e Eu fomos cúmplices do dia em festejo eterno. Eram pouco mais das oito da noite, sentíamos o cogumelo se despedindo, e permanecemos em estado de harmonia. Um barulho forte soava atrás de nós, como se tivesse caído algo pesado da vegetação. Fiquei atenta e não vi nada. A sensação de estar sendo observada era nítida. Falei que não estávamos mais sozinhos e ali, não era uma pessoa, apenas disso tinha certeza e nada mais.
Levantei e cheguei perto, atrás do barquinho que guardava nossas bolsas, e vi na névoa escura da noite, algo pulando para dentro da vegetação. Parecia uma iguana, mas era arredondada. Parecia mesmo uma arraia azulada, mas não deu para ver bem. Era tarde e entendemos o recado do bicho. Hora de partir. A natureza foi muito fofa conosco. O cogumelo nos guiou, com imensa generosidade, a uma ilha de beleza, infinito e amor.
O dia foi transformador, a tarde linda, a noite espetacular. Relato algum pode chegar perto da grandeza vivenciada, sentida, real. Uma harmonia sem limites, um amor grandioso, uma luz explícita, uma beleza de cada ínfimo detalhe, um horizonte aberto a nós, e nós humildemente agradecidos pela ocasião.