MAIS QUE UMA DONZELA DESEJADA
Ó que de súplicas e de temor,
inda antes do alvorecer,
ruidosa, bela e majestosa donzela,
tantas almas por ti, tantos tristes dias viveu
Ó quem não sabe o olhar fulgurante
que tuas madeixas tantos assim quiseram
Qual Sansão delas privado,
fortaleza outrora aos fins do mundo
viva alma não ignorava
Todavia, por descuido e sono profundo,
perdeu as longas e invejadas tranças;
e a fortaleza se desfez qual castelo de areia
Donzela em tudo mais que a lua desejada,
noite não rompe a madrugada
sem que por ti homens se perderam entre copos
e vícios vivamente renovados
Já, porém, não se desconhece,
inda que mundos desconhecidos,
possa adentrar e também sair
do Hades de mãos dadas aqui habitar
Ó, Beatriz relembrada por insígne poeta,
dona de beleza que a Narciso fez a alva pele
ruborizar-se, posto que nunca dantes vira mais que a sua beleza!
Ó, mesmo que cânticos atravessem mares e montanhas,
sob Netuno e todos os seres do mar a frente,
quem poderá, ó, Donzela assim responder senão
somente aquele que de espada em punho,
soube a fera rebater!
Não, não ousam aventureiros seu coração habitar,
posto que, tomado de coragem nunca antes sentida,
aquele que tu um dia indicou seu sentimento,
sabeis, ó, senhora, por ti enfrentará deuses e demônios,
porque sabe, é de ti o coração que pulsa no seu peito
E no regaço à margem esquerda do grande olho que a tudo vê,
nada escapa sem que do vigia o barqueiro Queronte conduz,
também possam a outra margem doutas almas chegar
Mas, como a quem se presta conta dele se torna refém,
de mau agouro vêm recepciona-lo a ave de rapina que decorava seu gabinete
Ó, senhora, mais que deusa em tudo mais que divina,
sabes, mais que todos os poetas, os secretos segredos
de reis e rainhas,
porém, se a virtude outrora cantaram-lhe pontífices
e todo seu séquito,
como pode, ó, Senhora, corromper tantas almas?
E sobre coroada cabeça, nem Meduza, a deusa em pedra transformada,
nem ela, por mortais temida,
coube sobre ti a vitória já há muitos reivindicada
Outrora, Senhora, Donzela e por poetas em versos cantada,
não ignoravas o poder que tamanha beleza a todos entorpecia
Séculos e séculos transcorreram,
guerras em demasia foram travadas,
mas, contai-me, senhora,
pode ao Homem o trono reservado aos deuses, ou,
quando muito, e nada mais,
obedecer cega e caprichosamente?
Não, não senhora,
como bem outros antes de mim fizeram,
não poderei, sob risco de me decepcionar,
seguir assim lenta e já moribundo, qual gado a caminho do matadouro
E das travessias por novos mundos empenhadas,
outras terras foram desbravadas,
porém, como todos sabem ao dominador só interessa a servidão,
não nos nega, ó, Senhora, que muitas almas foram dizimadas
Ó Donzela de pele leitosa e macia tez,
de longa cabeleira que de penhascos ao chão chegava,
sabes que de venturosas virtudes o guerreiro luta até o último homem
Um dia, apenas um dia, Senhora não se passa
sem que pobres almas sofram as angústias pela sobrevivência necessária
Porém, Senhora,
sabemos mais que sábios e filósofos,
que a luta a que travamos, desde que nos vemos irmãos,
não nos enfraquece; posto que somos o aço forjado por Vulcano
Então, minha Donzela e Senhora
que a tantos outros de tempos idos, fez-se guardiã de secretos desejos,
peço, com a certeza apreendida dos meus antepassados,
não queira, tomada de tamanha beleza, nos oferecer conforto em troca das lutas que travaremos
Posto, e mesmo que não seja assim o esperado, aquele que não esquece a raiz donde nasceu, sabeis, ó, Senhora, que àquele que trás nas veias o sangue puro de bravos lutadores; sabeis, lutam pela igualdade universal
E tendo, Senhora, ao poeta a fina flor dos versos aqui travados,
não ofendas, mas, sendo dele admirador sem igual, rogo-te, Senhora, permita a Hermes as boas novas
E quando já chegado o fim da viagem empreendida,
não no-la direi, mas ficarão guardadas as memórias como as joias mais raras