PROSA SEM LIMITE
Por Carlos Sena


 
Há canto e cantilena. Há nova e novena. Há dez, mas há dezenas. Tudo há, porque na mente humana tem espaço pra tudo, do mesmo modo que há quem goste dos olhos e outros só conseguem gostar da remela. Há quem nada goste, porque a vida pelo avesso é um modo de vida de quem não descobriu que também há limão e limonada. Há quem, diante de um belo sol, prefira contrariar dizendo “mas, pode chover”...  Há quem só ache que vida boa é do vizinho, quando vida boa é aquela em que a felicidade é processo de erros e acertos, subidas e descidas, perdas e ganhos. Muitas vezes a gente perde, mas só descobre que ganhou depois. Porque a vida nos dá lições no seu trajeto e exige de nós sua mais perfeita tradução. A vida nem sempre nos diz sim nem não. Mas, não raro, ao dizer sim, a vida quer dizer não e quando diz não geralmente quer dizer sim. Por isso que pra viver bem tem que se descobrir o limite entre o ser e o padecer; entre o leite e a coalhada; entre o tudo e o nada; entre o sol e o tersol; entre o mar e a maresia; entre o tempo e a tempestade; entre a cara e a caridade; entre o sol e o solidéu; entre o que não entra e entre o que pra entrar tem que sair...
Há canto cantado em verso, mas há prosa que vira conversa qual miolo de pote. O mote é o que menos importa no trajeto. Afinal, nossos afetos não existem feito receita de bolo, porque se ser feliz fosse “conforme nos disseram” o mundo já teria sucumbido. Há, pois, quem pra viver tem que se virar, mas há quem pra se virar nada precisa, porque da vida nada mais lhes importa senão ignorar seus movimentos. Lá fora o sol impera, mas à noite as estrelas se tocam ignorando que estamos lá embaixo nos preocupando com a perfumaria da vida, em vez de viver aspirando sua essência.