A MULHER GRÁVIDA

Quando a lua minguante surgiu,

clareando a minha rua

sem iluminação pública,

com o ventre avolumado

e passos tardos,

passou pela minha calçada

uma mulher de meia idade.

Era tarde da noite,

já quase madrugada.

Aquela mulher desconhecida

levava consigo,

nas suas entranhas,

um novo ser ou seres.

Levava vida.

Seu caminhar era tão lento

que deu-me a impressão

de profundo abatimento,

de desânimo,

de cansaço,

de uma quase inércia.

Era mais um barco ao sabor da brisa branda

que uma mulher caminhando.

Era tanta a sua apatia

que a pensei grávida da morte.

A fraca luz da lua minguante,

também apática,

iluminava-nos...

Como antigamente,

pensei desejar-lhe uma boa noite.

Sim, como antigamente,

pois noutros tempos

se dizia boa noite aos transeuntes,

conhecidos ou desconhecidos,

mas por vergonha, por falta de hábito,

ou pela falta de calor humano,

característica deste século,

nada disse.

Lentamente e em silêncio,

tal como surgira,

ela passou e sumiu na primeira esquina

levando a sua gravidez,

levando o seu dilatado ventre-oficina

onde havia vida humana em elaboração.

E a mulher foi na noite.

Foi, quem sabe,

arrastando os seus sonhos,

os seus pesadelos,

os seus devaneios,

as suas fantasias,

as suas esperanças,

ou, ainda, os seus fantasmas...

E assim ela passou naquela noite

anônima e silenciosa

com a sua gravidez

que imaginei da morte,

como se a morte pudesse,

engravidando mulheres,

gerar novas vidas...