A ILUMINAÇÃO
Do fundo deste resto de século
olho em torno
buscando o futuro.
Mas que futuro pode haver
se já de há muito não chove nos campos,
se já de há muito não há homens
arando os seus próprios campos
e se nem mesmo há campos disponíveis
para aração e plantio.
No alto onde um dia pensei ser o céu
(céu azul cheio de estrelas por fora
e de anjinhos lourinhos por dentro
- anjos raros filhos dos abastados
enterrados em mortalhas azuis ou brancas
e com grinaldas de flores nas suas cabeças)
não há a menor promessa de chuva.
Ipanema pulula de gente.
Os bares de Ipanema estão lotados
Os ônibus passam lotados
os cinemas estão lotados
os homens pobres passam lotados
de uma imensa fome
e do desespero, que também me consome...
Do fundo dessa sobra de século
tento apressadamente fugir,
mas como?
se não lugar para onde ir
não há caminhos livres
e em todas as estradas há pedágios
que uns pagam em dinheiro,
outros pagam com a vida
ou, ainda, com a honra,
como se vida e honra fossem bens transferíveis!
O fundo desse pedaço de século
é como um túnel sem destino
tudo é escuro.
Onde a bússola dos chineses
ou o astrolábio dos nautas?
Caminhando a esmo e choco-me contra um cego
e lhe peço desculpas
ao que ele responde: - não há de que.
Paramos para conversar.
Digo a que vim e que procuro luz.
O cego sorri
e me convida, a sentar e refletir.
Pede que eu deixe de olhar o horizonte,
distante,
tentando buscar a paz.
Que eu olhe para o meu interior,
pois meu futuro e minha iluminação
dependerão apenas de mim,
do equilíbrio que conseguir estabelecer
entre a razão e o coração.
A felicidade não virá da ciência,
mas antes da minha essência,
da minha benevolência,
da minha complacência,
da minha consciência,
da minha paciência,
da minha persistência,
da minha prudência,
da minha resistência,
da minha sapiência,
da minha capacidade de amar e perdoar,
da minha coragem de tentar
e de quando cair recomeçar...
Dizendo isso,
o cego levantou e foi embora,
levando a sua escuridão física
e seu espírito iluminado,
enquanto Ipanema
mantinha o seu frenético ritmo
e eu refletia sobre a vida...
O fundo deste pedaço de século
já não me parece mais assustador
mas, como os demais,
apresenta inúmeros conflitos
e uma imensa carência de amor.
(Rio de Janeiro, 10 de dezembro de 1.999)