Fragmentos e Cismares 41


                         [O QUINTAL]




Também tive meu quintal. Sereno, cheio de sonhos, quarador gramado coberto de alvíssimo branco nas roupas, panelas que riam de tanto brilho enquanto secavam ao sol, abacateiro, ameixeira, tomateiro, roseiras, copos-de-leite, brilhantina, dois buxinhos arredondados, minhocas e taturanas, gaiolas de passarinhos, uma casinha de madeira, feita por meu pai. Na verdade era um barracão com porta e janela. Destinava-se a guardar ferramentas, latas de tinta, vassouras, mangueira de água, bicicleta, sacolas de feira e também a ser a casinha das bonecas das três meninas da casa, panelinhas, talheres, cordas, fogãozinho, bambolês, um colchãozinho de crina. Servia ainda de local para passar roupas e fazer consertos domésticos.
Já imaginaram a mixórdia lá dentro? Até que não... arrumação aceitável.
Foi nele também que Rebeca, a mestiça de collie, teve parte de suas crias. Era dócil, amorosa, não dava trabalho, parecia a famosa Lassie, mas com porte bem menor. Esteve conosco por  dezoito anos.

Atrás do barracão havia um muro alto de tijolos, parte aparentes, parte caiados, que dava para a área central de uma tecelagem.
Eu costumava subir numa escada e nele me apoiava para ver a entrada e saída dos operários, atraída pelo apito da fábrica e certo vozerio, distante. 
Outro apito ao meio-dia. Hora do almoço e eles abriam suas marmitas de alumínio, sentados no chão do pátio.
Eu adorava observar aquele espaço e aquelas pessoas. Mais: ficava imaginando a comida que havia dentro delas!

Vai ver venha dessa época minha indignação social em prol dos trabalhadores e operários em geral, minha esperança no PT (o original, não este dos últimos anos), minha comoção quando mais tarde assisti às várias greves de metalúrgicos do ABC paulista, as passeatas de que participei reivindicando melhorias na Educação, salários mais justos para professores e funcionários.

Era também no quintal que minha mãe, avó e tias às vezes punham cadeiras para conversar enquanto tomavam um cafezinho.
E eu, ouvidos atentos às conversas "proibidas".
Era a inocente sabida.

Lembranças de quintal. Tantas brincadeiras e momentos felizes.

Década de cinquenta, bairro do Ipiranga.

 

 
 

 
Foto: o muro do quintal e eu, aos quatro anos.
KATHLEEN LESSA
Enviado por KATHLEEN LESSA em 03/07/2013
Reeditado em 11/07/2013
Código do texto: T4370914
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