Praça da Sé, 18 de junho de 2013 – 17 horas.


Eu sei que você preferia “O Povo na TV”, mas o que viu na TV é o Povo na Rua. A TV, um dos principais tentáculos de um monstro chamado mídia, sempre pronto a defender os interesses do sistema, sejam eles quais forem, o sistema e os interesses, desde que o sistema garanta os interesses de uma minoria acostumada aos desmandos de um poder sem freio, “que não tem decência e nunca terá, que não tem vergonha e nunca terá...”
Foi este monstro mídia que eu vi hoje se refazendo de suas posições e opiniões anteriores, conseguindo ver a legimitidade de um movimento de um povo indignado e a gritante infiltração de meia dúzia de baderneiros a serviço de uma vontade secreta e excusa de desqualificar e desligitimar o movimento. Mesmo com a violência com que tentaram invadir o prédio da Prefeitura e com que atearam fogo ao carro de uma emissora de TV que cobria os acontecimentos, a mídia conseguiu ver que era uma minoria, que aquilo não era o e nem do movimento e, o que é melhor, conseguiu dizer isto. Todo mundo fez a lição de casa, a mídia, a polícia, os governantes, quando por lição de casa entende-se de não ficar repetindo a cantilena de que aquilo tudo todos esses dias era só capricho de uma juventude baderneira e sem limites.
Pois bem. Por volta das 17 horas o povo ia chegando de todos os lados, como gotas dentro de um copo que era a praça e a praça ficou cheia e o copo transbordou de gotas gente e tudo aquilo foi lindo de se ver, além de muito emocionante. Havia gente sentada na escadaria da igreja, gente preparando seus cartazes, gente encontrando gente, gente esperando gente, gente ligando para gente, recebendo telefonema de gente, era gente por tudo quanto é lado, porque era um movimento de gente, não de partidos ou coisa que valha, gente descontente com o aumento de vinte centavos na passagem do transporte público e que reivindica o cancelamento de tal aumento e a adoção do passe livre. É isto que querem. É apenas isto, por ora, que movimentou em tantas cidades as pessoas tantas em torno de uma só ideia.
A calmaria reinou o tempo todo. Gritava-se palavra de ordem. Uns pintavam o rosto, uns envergavam máscaras e outros mascaravam-se com suas roupas. Particularmente não gosto e nem gostei dos mascarados. Não é preciso esconder o rosto para se fazer uma manifestação pacífica. O povo começou a caminhar, um grupo descendo a XV de Novembro e pegando a General Carneiro e rumando até a sede da Prefeitura. Outro grupo seguiu subindo a Augusta em direção à Paulista, onde já havia bastante gente, enquanto um grupo estava lá pelos lados da Marginal Tietê e na Raposo Tavares. A coisa só ficou feia ali na Prefeitura, mas tudo que ocorreu depois eu vi pela TV, essa agora que anda elogiando os manifestantes e criticando os infiltrados. Tomara que não seja tarde demais.
Cansado e com fome, fui à casa de uma amiga, onde dividimos um delicioso marmitex e onde acompanhamos o desenrolar dos acontecimentos pela TV. Quando saí de lá, queria tomar o metrô na estação São Bento, mas não consegui passar ali pela prefeitura, pois os ânimos estavam acirrados. E as pessoas que vi ali, muitas delas usavam máscaras e se ocupavam de pixar as paredes dos edifícios. Voltei para o metro Anhangabaú, onde tive que esperar bastante para conseguir entrar no trem. Dois garotos de bicicleta jogavam na rua os sacos de lixo que estavam na calçada, para atrapalhar o trânsito, numa ação já sem nenhum sentido com o movimento, pois a gente toda já tinha seguido.

A presidente, mais o ex-presidente, vieram a São Paulo para conversar com o prefeito e o governador. Olhando tudo daqui, parece que podemos ter a certeza que nenhum deles sabe lidar com a situação, administrar crises. Os políticos brasileiros andam mal acostumados pela impunidade e pela falta de crítica que vem da opinião pública. E nunca estarão preparados para mudanças. Não atinam um discurso conciliatório com propostas e negociações que impeçam o povo de precisar ir para as ruas, correr o risco de ser confundidos com baderneiros mercenários contratados vá saber lá por quem. Em toda fala que vi, vi os políticos dando satisfação ao microfone na sua frente, ao monstro mídia, repetindo uma receita que vem funcionando. Não vi nenhum deles, em suas falas, dirigindo-se realmente a este povo como deviam. Na época das eleições sim, era um tal de meu povo para lá, meu povo para cá. Aliás, na época das eleições todos eles dizendo que iam fazer um milhão de coisas para esse povo e esse povo esperando, esperando, esperando e se cansando de esperar. Todos eles são bem maquiados e ficam tão bonitos no horário eleitoral e falam sobre tudo e sabem tudo e resolvem tudo. Basta serem empossados e já não sabemos quem são.
Eu estive lá e vi. Pensei que não ia viver para ver o povo acordar, largar em casa sua tv e seu computador, sua preguiça e seu comodismo e sair às ruas para dizer que está cansado das coisas como elas estão e que vão lutar para mudar.
Eu estive lá e vi o povo na rua que é do povo, um povo pronto para construir um mundo melhor para o povo. E se precisar, estarei lá de novo.
Marcos Lizardo
Enviado por Marcos Lizardo em 19/06/2013
Reeditado em 19/03/2021
Código do texto: T4348255
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