VÊNUS

VÊNUS

O cálice da desilusão foi entornado subitamente, sem avisos e sem precedentes que a fizessem prever o que a esperava do outro lado do amor. De repente, nasceu das trevas o desenlace intrigante do abandono lhe doado sem consulta, e ela, que antes sorrira com ares infinitos, agora via no espelho uma imagem congelada, sem expressão. Morria ali o seu amor, e um pouco dela também.

Mas quem disse que a morte é ruim? O morrer também é um momento de libertação, um momento de transformação da nossa própria substância íntima, é o momento mais verdadeiro e primitivo que o cosmos poderia ter projetado mesmo sem projetar. A morte de algo é um sinal de que coisas antigas ficaram para trás e de que já não é mais necessário conservar certos padrões. Nasce uma nova quimera da dor para todo aquele que sabe deixar doer o que não vale mais a pena; ela fez isso.

E o tempo, precioso tempo, que caminha de mãos dadas com a morte, que inicia a vida e a faz morrer, que cria os laços e depois os destrói, o tempo, sim, este foi o seu maior aliado. O tempo deu-lhe uma vida nova e a fez entender que o amor apaixonado é como um fantasma sobre qual todos falam, mas que ninguém nunca viu. “Nada é tão belo quanto o que é verdadeiro”, imaginou ela enquanto nascia em seus lábios um sorriso maior do que toda a comédia. Era a morte da morte: primeiro morreu o amor nascendo em seu lugar o desamor, depois este foi sepultado pela mesma morte que matou o seu antecessor. “A morte é uma aliada, então”; talvez a moça tenha concluído assim.

Agora, após toda a superação, vive ela com uma suprema felicidade, que já não tem o mesmo significado que tinha antes, pois é algo maior. Ao olhar para trás, a moça imagina que o fim daquele amor foi uma cócega da qual já pode sorrir livremente, sem deixar de observar a manobra que a sua vida fez, “e que manobra”, conclui ela ao ouvir dos que a rodeiam tal afirmação.

Agora ela é muito mais bela, muito mais desejável. Agora ela é a própria Vênus, enamorada de si mesmo, numa profunda transição para algo bem melhor.

Profano
Enviado por Profano em 14/06/2013
Reeditado em 25/11/2014
Código do texto: T4340694
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