Meu Sertão...
                      Em Dois Tempos!
Só faz uma leitura saudosa 
                           Desta prosa 

     Quem é daqui do meu rincão!...
 

Daqui do parapeito do alpendre
Do velho casarão, eu vi a vida passar.
Por todo tempo, o tempo todo aqui vivido...
Vi passar a vida em dois tempos!...
 
Tempos bons e tempos ruins!
Assim eu vi a vida passar,
Por debaixo dos meus pés,
Pelas retinas dos meus olhos...
A vida vivida em cima deste chão!...
 
Vivi amor, vivi saudades e paixões!...
Tive largos sorrisos, mas também deixei escapar
Lagrimas de dor, de saudades e de compaixão!
Saudades dos que partiram,
E compaixão dos que ficaram e dividiram comigo
As tristezas e as amarguras impostas
Pela própria vida deste nosso vasto sertão!
 
Também vivi e vi!...
 
Tempos fartos e tempos sofridos
Tempos de cheias, enchentes  e alagadiços,
Tempos de travessia em rios cheios
Tempos de correnteza levando vidas,
Também vi os rios secos
Totalmente sem água ceifando vidas!...
 
Vivi tempos...
De um céu azulado,
Nuvens brancas espaçadas
E de sol escaldante, contrastando
Com dias ensolarados,
Compensados pelas noites lindas
E prateadas pelo intenso luar!
 
Assim se foram os tempos,
Belos e saudosos tempos...
Vividos aqui no nosso Ceara!
 
Dos tempos bons,vem a minha mente
Os tempos de invernada!
Era certo a fartura na mesa do sertanejo,
Alegria de ver o rebanho no pasto a pastar,
Alegria no peito e na alma de quem ama sua terra,
De quem se apaixona ou é apaixonado pelo seu lugar.
E estes tempos...
Bons tempos, suprimem os tempos amargos!

 

Vi um céu acinzentado,
Com nuvens escuras e pesadas,

Relâmpagos no rumo norte,
Trovões estremecendo tudo

E trazendo para nós
As aguas das chuvas
que desciam divinas,  Fazendo cortinas de agua
Nas biqueiras das telhas das casas!...
 
Ventos e redemoinhos que levaram para longe
As mazelas das secas que pareciam encravadas
No seio deste sertão!
 
Quando as chuvas caiam no meu torrão
Tudo mudava na estação...
Dias de sorte para esta terra esquecida,
Ferida, sofrida e tão castigada pela seca
Abriam-se fendas nesta terra, neste chão!
 
 
Tempo acinzentado,
Chuva torrencial,

Lagos e lagoas cheias,
Rios e córregos passantes...

Homens, mulheres e crianças
Molhavam-se nas chuvas,
Lavando a alma
Em um banho de vida...

Feliz, saudosa e saudável!
 
Terra molhada, mata-pasto brotando,
Tiririca feito relva se alastrando.
E enquanto se firmava a invernada
Enverdejava campos e campinas,
Das serras
até as caatingas!...
 
 
Vida esperançosa, vida gostosa de ser vivida!

A minha caatinga
Também vestia-se  de verde,

As sementes em meio ao solo adormecido,
Germinavam fazendo erguer-se
Uma nova vegetação de:...
Paus pereiro, paus branqueiro, juazeiros,
ingazeiros, aroeiras, marmeleiros!...
 
Também floria em branco,
Abranca da flor d
a minha laranjeira, 
O  florido do meu cajueiro, 

Ofruto do meu cardeiro!...

Minha oiticica frondosa,
Meu  carnaubal vistoso,

E ate mesmo o cansanção, a urtiga, 
O  carrapicho, o
pega-pinto,
Os velames e salsas rasteiras do mato!...



Flores e frutos, pastagens, relvas...
Era vida e alegria, nada parecia triste
Neste nosso triste sertão!
 
Este, foi o ciclo da vida vivida
Por quem tanto ama esta terra
Por quem tanto ama este sertão...

Minha Amada e querida terra,
Meu querido e amado chão!

 
Estas imagens em nossas retinas
Às vezes nítidas, às vezes embaçadas,
Às vezes tristes, às vezes alegres...
Às vezes grandiosas e às vezes medonhas...
Nos levam a retratar os tempos vividos
Que fossem eles...
Tempos de gloria, de  amor, de  tristesa ou paixão!

Tempos que...

 
 
Nos davam medo da seca,
Nos davam medo da fome...
Que levaram ate a morte rebanhos,
Quer fosse de gado
Quer fosse outro tipo de criação...
Aqueles pobres bichos pastantes!...


 
 
Neste olhar feliz,
Lembro-me d
o meu saudoso cachorro Peri.
Magrelo que também atendia por magricelo
Quase sem pelo, de cor parda para amarelo!
Com seu rabo abanando sempre a latir.
 
De olhos fechados,
Nas minhas saudades

Ainda ouço o meu fiel vira-lata!...
Amigo e parceiro, da lida diária.
Ágil e inteligente arrebanhava o gado e a criação
Sem me custar um só tostão,
E ao meu lado estava

Nos tempos difíceis que passei!...
Saudades do meu pastor,
Saudades do meu cão Peri!

Que ao ver o tempo mudar, punha-se a latir.
 
Ladrava a noite no alpendre...
E como lobo, um verdadeiro canino... Uivava!
Tão feliz quanto o seu dono, quando a chuva chegava!...
 
O meu cavalo castanho,
As minhas vaquinhas leiteiras,
Meu burrico de carroça,
Meus jumentos da lida da roça
Juruá e Caboclo protegiam-se
Da chuva ou do sol na sombra da oiticica,
 
Na beira da cerca de estaca de sabiá...
A minha porteira arriada, carroça encostada
Também pareciam ver o tempo passar!
E no mourão...
O gavião solitário e
m seu canto piado
Chamando seu par!...

Aves de rapina, visivelmente paradas
Observando o tempo mais lindo
E chuvoso do meu sertão...

 
O velho urubu, navegador solitário do ar
Encharcado pela chuva,
Pousado no olho da carnaubeira,

Palmeira reconhecida como à arvore da vida.
Hoje sua palha tremula, balança sem parar
Com o açoite dos ventos, com os pingos de chuvas
Que chegam para banhar e matar a seca do sertão trazendo a certeza
Que  de fome  ou sede, bicho nenhum
Nestes tempos não veria morrer!

 
Doce milagre da natureza
Que nos trás a certeza
De que a vida volta a florescer
Neste mais lindo lugar!
 
A vida que se via manifestar...
 
Na formiga de asa chegando,
Na lagarta que virava borboleta,
Nas aves refazendo os seus ninhos,
Na vaca que pariu seu rebento...
No boi valente e mascarado
No cavalo velho, no velho jumento...
No bode e a cabra de leite
Na ovelha e o carneiro marrento...
 
No fogão, alenha queimando,
Na panela de barro o feijão cozinhando,
Na chaleira com agua para fazer o café
Que fora torrado e pilado no pilão

Na leiteira o leite de gado fervendo
No pote de agua fresca colhida da chuva
Na mesa o feijão, a farinha d’agua o toicinho e a rapadura,
Tudo é fartura que se via nos tempos bons!...
 
Ainda se tinha...
O queijo de coalho e da coalhada,
A manteiga da terra,
O milho assado ou cozido, e cuscuz,
O beiju, a tapioca, a canjica
O mungunzá, o pote cheio de aluá...
 
 
Tudo isto é a chuva que traz,
Todo o cenário muda!...
Do acinzentado e da falta de cor na vegetação,
Ao verde da plantação e do mato novo...
O canto das aves, o alvoroço dos bichos do mato
E dos de estimação também!
 
Em meio ao reboliço que a chuva trazia...
Tejo saía da toca alagada,
Tatus e pebas passavam apressados,
Cascavéis, corais e jararacas com seus rastros sinuosos
Saíam atrás de suas presas com fome voraz...
Também passavam correndo os pequenos preás,
Os lagartos, camaleões, lagartixas, calangos.
 
As lagoas cheias, o brejo encharcado,
O sapo, o seu canto não é à toa!
É o cântico da beira lagoa,
Entoando a invernada!
 
Vi as avoantes chegando, em bando...
Vi as pretas graúnas, casacas de couro, bem-te-vis,
Rolinhas cascavel, velame, cabocla
Fazendo os seus ninhos n
os cachos de bananeiras, Canários da terra, patativas,
Galos da campina o mesmo cabeça-fita,
Sanhaçus, azulões, sibites,
Jandaias, periquitos e t
rinca-ferro, golinhas,
Assuns-preto que cantam

Mesmo sem lhes furarem os seus olhos
Misturavam o seu canto
Com todo o passaredo do lugar...
 
Aves nos arvoredos parecendo pingentes vivos
Pulando de galho em galho
Seus movimentos dançantes

Atraiam assim o seu semelhante par!
Enquanto a acoruja refazia  o seu ninho...
 
Porteira do curral arriada,
parecia deixa o tempo passar...

 
Entre ela... o tempo
Que nos dava medo da seca,
Que nos dava medo da fome...
Que leva ate a morte 
O  pequeno rebanho d
e gado, 
E  todo tipo de criação...

Pobres bichos pastantes...
 
Sem esquecer da principal figura do lugar...
O homem simples e a sua família: mulher
sogra e filhos...

Com suas panelas ariadas, roupas no quarador...
 
Com estas imagens
Às vezes nítidas,
Às vezes embaçadas,
Às vezes tristes, às vezes alegres...
Às vezes grandiosas,
Às vezes medonhas,...
 
Eu vi a vida passar!...


                   
                   Gel... O Poetinha Filho de Russas


 

                                             Russas, 10 de junho de 2013
Francisco Rangel
Enviado por Francisco Rangel em 12/06/2013
Reeditado em 05/08/2013
Código do texto: T4337589
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