Crescem urtigas nas nossas mãos
Nesta manhã nimbada, em que o nevoeiro cobre denso a madrugada,
na carência do regaço, no fechar de dar afecto, no abraço retraído,
crescem sem qualquer sentido, nas mãos, nas nossas mãos,
raízes de mil urtigas! Sim que as já sinto! Sim, repito ...
Que me picam, que me agitam, que incomodam, suplicam,
que as corte rapidamente, para que desta maneira, não acabem
por matar, com o veneno a brotar da dormência deste Mundo.
As urtigas. Florescem, vem de dentro, são raízes impiedosas,
destas dores, tão dolorosas, que nos atravessam o coração,
que fazem dele não um ninho, não um poisio seguro,
mas que o cobrem de grades, que são símbolos de prisão …
Ah, malditas urtigas, que as arranco com os dentes!
Que as mordo e as macero, neste beijo que retenho.
Que me piquem, que façam da cara um bolo,
que me metamorfoseiam, façam de mim,
quiçá um monstro, inchado, disforme, redondo…
Um ser de tão feio, quase hediondo. Que me importa já?
Se te convidei para um chá, coloquei a mais bela toalha,
escovei os meus cabelos, coloquei todos os brilhos
da minha caixinha secreta, me olhei no espelho do rio e
me vi bela e escorreita e,
nem mesmo assim, a minha oferta aceitas?
Que me importa se urtigas crescem agora nas mãos?
Que as suas raízes atravessem do meu peito,
me cubram da cabeça aos pés?
Se estão grades na janela, se envelheço,
se me trancam nesta torre desde há muito
e para sempre e se esquecem que sou gente?
Se nada chega, nada basta, para que desta praga nefasta,
deste karma, desta morte anunciada,
desta sombra, sempre em constante alerta …
Deste vampiro que sobe, quando a noite se empoleira
lá no fundo do quintal, onde só morava o galo?
Que me importa, se me nega o teu corpo, doce embalo?
Vinde, urtigas crescei.
Que deste amor que retenho, não lhe encontro o desenho.
Nesta tela em que me pintam, de mil cores e mim formas,
Carregada de emoção, contra todas as normas,
Esqueceram o coração!