Chega, São Paulo!
Chega, São Paulo!
Pára, São Paulo, de espremer aflitos de manhã, de tarde e de noite. Sossega um pouco, São Paulo, ficas a construir doideiras concretadas, envidraçadas, monotrilhos do zero ao nada, relaxa São Paulo, chega de enjaular contraventores mortos de fome, planta árvores criatura bestial, colossal, fenomenal, fica aí bem uns 100 anos plantando árvores, constrói gramados, ó criatura, gramados a perder de vista, despolui os rios e as represas, manda calar as maquitas, as furadeiras, as britadeiras, as betoneiras, as buzinas, as sirenes, as vuvuzelas e os urros noturnos dos etilicamente eufóricos, dá-lhes opção, São Paulo, eles urram e chapam o coco pois estão explodindo por dentro, estão emparedados, manda essa gente relaxar, São Paulo, a corda no pescoço dos enforcados ta cada dia mais apertada, 2 homens numa moto chacinam meia dúzia na porta do estabelecimento, os medos construídos ultrapassam a aritmética geométrica e as mentes há muito já não pensam, só computam contas com temores estratosféricos de que o próximo teto seja um viaduto, dá um taime, São Paulo, tu tens 97.000 bares e quantas escolas? Quantos teatros? Quantas livrarias? Quantos músicos desempregados e quantos eventos eletrônicos para surdos práticos? Afinal, que contas fazes, São Paulo? Só tributos? Cadê os médicos? Dois homens numa moto estão a agir agora, tu achas que isso vai parar com um decreto? Chega, São Paulo, de monumentos pra boi dormir, tu nem controlas os mosquitos, a proliferação dos muquifos, te aquieta criatura descomunal, vê se planeja praças a cada quilometro, dá um respiro pra galera, cria espaços com sofás e silêncio, lembra que os velhos que te construíram estão apinhados à beira da indigência, quando não imersos nela, atenta às tuas crianças São Paulo, aquelas que te construiriam se tu apresentasses concretamente opções outras que não o caminho do bandoleiro, do craqueiro, do arruaceiro, tu achas que vais parar os arrastões com uma penada do gabinete? Cai na real, São Paulo, cada execução gratuita não passa de um grito saído das vísceras dos bolsões, acorda para esses lugares, viceja esse lugares, transforma-os em logradouros de fato, retira-os dessa patente de fim de linha, desse astral de beira de cais de cascalho furibundo cuja canção de cada dia é a de mais um dia no inferno. Pára de destruir o que ainda resta de verde e horizontal em nome do declínio do gênio e da corrupção do gosto. Acorda, São Paulo, antes que seja tarde, se é que já não é tarde, tu achas que um pronunciamento irá deter essa onda sanguinária? Ah, faça o favor, eu que não sou ninguém já te dou de cara duas únicas opções – ou bem isso aí é de caso pensado e resta deduzir quem lucra com a balbúrdia, ou, pior, nem sei se pior, um daqueles mistérios que vem de dentro e se espalha como fogo na palha e tentar detê-lo equivale a pedir para uma égua prenha não parir. Chega, São Paulo, cansei de ficar cansado. Tu tens competência para fazer melhor, pelo menos eu ainda creio nisso. Antes de me despedir afianço que as imprecisões contidas nesse palavrório são dignas de um desabafo. Ora essa, inexiste desabafo preciso. Saio agora aliviado, usando uma sentença que tem dado certo noutros lugares. Quem sabe pega por aqui.
Deus abençoe São Paulo
(Imagem: av. 9 de julho, 1948)
Chega, São Paulo!
Pára, São Paulo, de espremer aflitos de manhã, de tarde e de noite. Sossega um pouco, São Paulo, ficas a construir doideiras concretadas, envidraçadas, monotrilhos do zero ao nada, relaxa São Paulo, chega de enjaular contraventores mortos de fome, planta árvores criatura bestial, colossal, fenomenal, fica aí bem uns 100 anos plantando árvores, constrói gramados, ó criatura, gramados a perder de vista, despolui os rios e as represas, manda calar as maquitas, as furadeiras, as britadeiras, as betoneiras, as buzinas, as sirenes, as vuvuzelas e os urros noturnos dos etilicamente eufóricos, dá-lhes opção, São Paulo, eles urram e chapam o coco pois estão explodindo por dentro, estão emparedados, manda essa gente relaxar, São Paulo, a corda no pescoço dos enforcados ta cada dia mais apertada, 2 homens numa moto chacinam meia dúzia na porta do estabelecimento, os medos construídos ultrapassam a aritmética geométrica e as mentes há muito já não pensam, só computam contas com temores estratosféricos de que o próximo teto seja um viaduto, dá um taime, São Paulo, tu tens 97.000 bares e quantas escolas? Quantos teatros? Quantas livrarias? Quantos músicos desempregados e quantos eventos eletrônicos para surdos práticos? Afinal, que contas fazes, São Paulo? Só tributos? Cadê os médicos? Dois homens numa moto estão a agir agora, tu achas que isso vai parar com um decreto? Chega, São Paulo, de monumentos pra boi dormir, tu nem controlas os mosquitos, a proliferação dos muquifos, te aquieta criatura descomunal, vê se planeja praças a cada quilometro, dá um respiro pra galera, cria espaços com sofás e silêncio, lembra que os velhos que te construíram estão apinhados à beira da indigência, quando não imersos nela, atenta às tuas crianças São Paulo, aquelas que te construiriam se tu apresentasses concretamente opções outras que não o caminho do bandoleiro, do craqueiro, do arruaceiro, tu achas que vais parar os arrastões com uma penada do gabinete? Cai na real, São Paulo, cada execução gratuita não passa de um grito saído das vísceras dos bolsões, acorda para esses lugares, viceja esse lugares, transforma-os em logradouros de fato, retira-os dessa patente de fim de linha, desse astral de beira de cais de cascalho furibundo cuja canção de cada dia é a de mais um dia no inferno. Pára de destruir o que ainda resta de verde e horizontal em nome do declínio do gênio e da corrupção do gosto. Acorda, São Paulo, antes que seja tarde, se é que já não é tarde, tu achas que um pronunciamento irá deter essa onda sanguinária? Ah, faça o favor, eu que não sou ninguém já te dou de cara duas únicas opções – ou bem isso aí é de caso pensado e resta deduzir quem lucra com a balbúrdia, ou, pior, nem sei se pior, um daqueles mistérios que vem de dentro e se espalha como fogo na palha e tentar detê-lo equivale a pedir para uma égua prenha não parir. Chega, São Paulo, cansei de ficar cansado. Tu tens competência para fazer melhor, pelo menos eu ainda creio nisso. Antes de me despedir afianço que as imprecisões contidas nesse palavrório são dignas de um desabafo. Ora essa, inexiste desabafo preciso. Saio agora aliviado, usando uma sentença que tem dado certo noutros lugares. Quem sabe pega por aqui.
Deus abençoe São Paulo
(Imagem: av. 9 de julho, 1948)