Receita de loucura e morte
De tanto olhar contigo, meus olhos verdes
ficaram negros,
e cabelos amarelos, como os teus, ficaram azuis...
Fecho meus olhos sonhando,
os sonhos que guardei, com cuidado e carinho,
Pra quando as pernas não mais pudessem voar,
Como os passarinhos...
Sinto-me tão frágil,
Perdi o mapa que riscamos pelas areias do caminhar...
Esqueceste meu cheiro, apagaste meus passos.
Perdestes minha inocência.
Olhando agora pelas lentes do orvalho.
Vejo uma estranha, e nada há que possa fazer trazer-la de volta
Teu vestido de chita,
O cheiro de lenha e chuva nas manhãs nuas,
Em que ficávamos os dois abraçados em arco e flecha.
Perdi minha fúria de vida,
no momento em que partiste tu,
com meus bebes:
Frutas de meu sonhar!
Angustiado, procuro teu olhar,
E não encontro, Teu tempo é curto.
Como curto é o tempo daqueles meninos de lama.
Que partiram, deixando-me sem fôlego,
E nao confirmas.
Teu tempo é curto:
A vida a chama pra um lugar que não existe.
Meu espirito vaga com o teu, num so navio.
Vendo voce assim
Desfaço meus dias de café e canteiros,
Filhos e lamparinas:
Fica comigo hoje apenas, no banco de madeira,
Abraça-me, faça-me crer em sonhos de verdade.
Deixa-me enganar que valeu a pena,
Que encontrei afinal minh'alma gemea,
metade sem a qual é tão vazio meu quintal.
Ou diga que é tua, a xícara a mais,
Que calada dorme sobre a mesa de ipê, esperando teu chegar de bailarina.
Dizendo, nao chore, faremos hoje um doce com a receita que sonhamos,
E comeremos realidade da fruta que vivemos.
Não me deixe mais esperando, esperando,
Acabarei entendendo que sonhei sozinho, e foi tudo, apenas um sonho./
Sente-se querida, sente-se amiga, sente-se amor de minha vida,
Vamos falar dos orvalhos,
Manhãs cheirosas que agora se hospedam em nossa ternura.
A dor já passa:
Farei teu chá predileto, pentearei teus cachos,
Enquanto vivemos juntos, a jornada que já vai tão longe.../
Guardei, querida,
Pra quando as pernas nao mais pudessem voar, como os passarinhos.