Uma experiência emocionante!!!
Terceiro encontro com o cogumelo mágico.
(emocionante!)
Havíamos comprado 15g. do fungo na última sessão, relatada anteriormente. Sobraram 3g. e diferente das outras vezes, fomos apenas eu e meu pai David, poucos dias depois do último chá, para uma praia semi- deserta a qual chamamos prainha, em Cotovelo/RN.
Dormi na casa dele e não houve tempo para preparação em evitar alimentos pesados ou algo assim, já que aconteceu de forma súbita a ideia de dividirmos.
Acordamos cedo, passamos as gramas no liquidificador com água. Deu um copo cheio para cada um. Tomamos ainda na casa dele, e em seguida partimos até o local escolhido.
Chegando ao alto da falésia, podíamos ver a praia inteira. Respirar aquele infinito azul, com o horizonte rente, nos encheu de magia, respeito e amor. Ali seria o início do encontro e fizemos uma oração em agradecimento profundo e mais uma vez, concentrando energias para que tudo ocorresse calmo como o visual do lugar. Descemos por uma pequena trilha até a praia, e o caminho foi levemente adoçado por bichos e plantas e vento e brisa e harmonia, andamos de mãos dadas e absolutamente tudo nos fazia rir.
Não saberia explicar a etapa das sensações como nas experiências anteriores, porque dessa vez, elas estiveram fundidas nas horas seguintes.
Levamos apenas água e uvas roxas. Estendi uma canga na areia, incenso, um livro de reunião de poesias de Cecília Meireles, e entre nós, o mar e as falésias imensas com uma vegetação ainda maior. Meu pai recitava os poemas do livro, e eu sentia absolutamente tudo que provavelmente sentia a poetisa ao escrever versos tão perfeitos. Até parecia que ela estava conosco, no mesmo visual e sentimento. Dois tipos de criação se consolidavam em nós: a ilha paradisíaca e a poesia delicada de Cecília.
O amor entre mim e meu pai era mútuo e interminável. Intenso e verdadeiro. Caminhava pela areia com a nítida sensação de gigantismo. Passamos horas no mar tranquilo, cantávamos e em cada música escolhíamos a quem iríamos dedicá-la. Meu pai constantemente agradecia a Deus pelo momento, hora em alta voz, hora inaudível. Eu agradecia em silêncio. Tudo era perfeição e harmonia.
Tivemos muito acessos de risos incontroláveis e gostosos. A realidade era pura, presentemente nítida. Conversávamos sobre qualquer coisa, ele me falava das cores dos sentimentos, que absolutamente tudo era bastante perfumado, acabava de perceber isso. A paixão, por exemplo, tinha cor de vermelho sangue. O nome trouxe um trecho de música, e a simples menção a palavra “sangue” deixava o mar agitado. Percebido isso, pedíamos águas tranquilas. Logo reinava o balançar despreocupado onde emergíamos os corpos ainda mais relaxados.
Um sargaço apareceu e ele esfregava-o contra o nariz com um prazer brando das delícias salgadas. O cheiro era realmente incrível. Deixei-me despejada a deriva daquela imensidão, que embora assustasse, não considerava medo. De repente um barulho estarrecedor parecido com um motor potente surgia e tomava o silêncio por completo. Meu pai me chamou nessa hora e eu levantei o corpo que boiava para sugerir que fosse um avião. Mas onde? Não era barulho de avião. Não havia nenhum vestígio de máquina pelo céu ao horizonte. O ‘motor’ ia aumentando e durou uns minutos embora tenha deixado um ar de eternidade na lembrança. Posso quase senti-lo ao lembrá-lo. Parecia um trovão e ecoava do universo. Não vinha de lá ou de cá, mas simplesmente surgia e se expandia na atmosfera. Era a voz de Deus.
Aquilo me causou um privilégio fenomenal. Apenas agradecia tão emocionada quanto encantada. E apesar da leve euforia que nos era aquele enunciado divino, nitidamente novo em audição, a tranquilidade só aumentava em nós.
E assim, naturalmente seguíamos os fluxos. Caminhando pela areia branca e fina da praia, sob o sol da manhã que não nos atingia, ao contrário, aconchegava, fomos em busca de “um tratamento de pele caríssimo que tínhamos ali, de graça”, encontramos argila branca e logo passamos um no outro, com o toque transbordando de carinho. Meu pai me olhava com tanto amor que uma lágrima de satisfação lhe escorria fácil. Ele falava da minha beleza com brilho e esplendor, ao mesmo tempo ria, falando com Deus que não merecia tamanha felicidade e privilégio. Eu sentia o mesmo amor pelo meu pai. Passei argila em suas costas com tanto cuidado e carinho, que as mãos deslizavam sobre sua pele vermelha. Um gesto de carinho, cuidado, recíproco amor.
Depois tiramos a argila do outro com a água rasa do mar. Ficamos com a pele mais macia e ali, partilhando daquele momento sublime, senti algo passar pela minha perna e de repente, me assustei. Rapidamente percebi pela textura que só podia ser uma estrelinha do mar. Na mesma hora em que pensei e tentei procura-la tateando pelo mar, meu pai disse “olha quem está aqui”! A bolacha do mar havia chamado a minha atenção, na qual descuidadamente recuei, e agora se oferecia às mãos apaixonadas de meu pai. Ele beijava, cheirava, sussurrava elogios, e ela parecia responder. Todo seu movimento era, de fato, uma comunicação. Foi uma interação linda e uma amizade sincera. Voltamos onde estavam as coisas para tomar um pouco de água. Os passos eram tão leves, íamos abraçados e conversando qualquer coisa boa. Só nos cabiam coisas boas. Eu vestia a blusa dele e ambos nos sentíamos bem com isso.
De volta a água, olhamos em direção às falésias e uma casa já nos chamava a atenção a algum tempo. Do mar (também da areia, pois a casa ficava em cima e no meio da falésia), dava para ver apenas uma pequena parte dela: Um trecho do terraço frontal, até o telhado, na parte esquerda, ficando visível, talvez uns quinze por cento da casa. Parecia um lugar encantado. Quem moraria ali, no alto de uma falésia, longe de tudo, com o visual rodeado de infinitos? Por várias vezes a casa nos chamava a atenção. Houve uma hora em meu pai meio assustado mostrou, olha ali! Estava eu brincando de mergulhar feito uma criança livre e feliz, quando fiquei de pé para ver o que ele me mostrava. Incrível! A casa aparecia inteira, como se todo o mato e plantas imensas que estavam em sua frente, não existissem mais. Como é possível? Perguntava eu atordoada ao meu pai. Ele dava de ombros e dizia, pois é. Em seguida ria brandamente e tornava a agradecer. Era de fato, surreal. A mesma casa que desde cedo nos chamava a atenção, a mesma casa coberta onde só era possível ver uma parte do terraço e do teto, se mostrava totalmente inteira, em detalhes para nós. Nunca saberemos explicar o que houve ali, mas foi muito real.
No minuto posterior a mata “surgiu” de volta e escondia a casa como no princípio. Foi um dos acontecimentos inexplicáveis que nos aconteceram.
O outro foi um “saco” branco que vi no céu. Lembrei-me do filme - Beleza Americana, a cena do saco plástico voando com as folhas; mas ali a coisa branca voava muito alto e em velocidade constante. Meu pai ficou impressionado. Não pode ser um saco! Dizia ele, está alto demais! Além das nuvens. Mas podíamos ver, e de fato, pela distância a velocidade era incrível. Voou por segundos até um ponto no meio do céu e sumiu. Simplesmente desapareceu. Ambos vimos, ambos continuamos sem resposta lógica e encantados coma realidade paralela que surgia.
Às vezes íamos até onde estava estendida a canga tomar água ou comer uvas. Meu pai desenhava com o dedo na areia, ou recitava os versos de Cecília. Atenta a poesia da vida, sentia o rosto poroso, como a textura do chapéu de um cogumelo. Passava os dedos na bochecha e a impressão de tocar minha pele emborrachada era ainda mais forte e concreta. Sabia que estava encorpada daquilo, o que era estranho e só me fazia bem.
Olhei para o céu despretensiosa, e um rastro fino de nuvem se alongava numa reta perfeita a algum ponto, que terminava sem contexto, no fim do que não havia: Era um risco de nuvem no meio da imensidão do céu, com começo e fim apenas, perdido no azul de um dia claro com o sol do meio dia no outro lado.
O fim da manhã começava a nos puxar do paraíso. O sol começava a incomodar na pele, a fome ameaçava surgir e o cansaço do dia também nos fazia lembrar do tempo. Fomos a uns poços no fim da praia, jogar os últimos punhados de água salgada no corpo para aliviar o calor. Comemos as últimas uvas um pouco sujas de areia, e tomamos os últimos goles da garrafa plástica de 1l. de água. Embora a outra realidade começasse a renascer, nos sentíamos felizes pela manhã e toda a magia cedida a nós. Muita gratidão e amor ao criador, muita paz evidenciado no horizonte, no balanço do mar, nos pássaros harmoniosos do céu. Repetíamos conclusivos, o quanto éramos privilegiados! E rimos e nos abraçamos por isso.
Em nenhum momento pudemos esquecer do “motor celestial” que havia nos surpreendido enquanto boiava no mar. De vez em quando tocávamos no assunto maravilhados. E então pedíamos com humilde sinceridade para ouvir novamente. Até que no final da manhã, quando silenciosos curtíamos as pocinhas d´gua, o “trovão” surgiu da mesma forma anterior, com o céu completamente limpo, inclusive de nuvens, aumentando gradativamente o volume e a potência surreal. Eu olhava rapidamente de um lado ao outro do céu, desesperadamente curiosa tanto quanto emocionada, procurando de onde vinha aquilo. Foi realmente a coisa mais fantástica que nos aconteceu. Quando entendi que o som não vinha de lugar algum, ele ecoava pela praia inteira, de cima para baixo, ocupando toda esfera de ar, volume, tempo e visão. Olhamos para o outro, com aquele barulhão assustador e paterno, lágrimas e risos suspirados nos abrandavam ainda mais a alma e a sensação de contato divino. Era Deus, não sei explicar, mas tenho certeza que ouvimos ali, Sua voz.
Depois do emocionante acontecimento, voltamos para arrumar a bolsa, colocar uma roupa e seguir em busca de almoço. Logo no início da caminhada de volta, uma abelha chamou minha atenção no meio da imensidão branca de terra. Ela rolava de um lado para o outro sem se manter firme. Parecia pedir ajuda. Coloquei-a na mão e tentei ajudá-la a manter o equilíbrio. Ela pronunciava algo. Podia ver claramente sua boca abrindo e fechando no mesmo ritual da voz pronunciada, porém ininteligível. Minha tentativa era inútil. Meu pai, delicadamente pegou em sua mão e tentou ajudar de alguma forma, mas a abelha agonizava com naturalidade, a morte. Deixamos ela cumprir seu papel de natureza, e seguimos de volta. Encontramos uma pequena casa de palha, onde os pescadores guardavam seus apetrechos, tratavam o pescado e se reuniam para bebericar e conversar. Lá, foi possível um banho de cuia, água doce e gostosa, aliviando o ardor da exposição intensa ao sol, da manhã inteira.
De volta pela mesma trilha, apareceu-nos um cavalo do diabo. Grande, preto, cheio de pompa, sobrevoava imponente e até charmoso. Do alto da falésia, no considerado ponto de partida, paramos para agradecer, fazer breve ressalva da beleza contemplada aos olhos, puramente, e as revelações fantásticas que continuam sem denominação, de tão perfeitas e inalcançáveis a dialetos humanos.
O mar estava com uma cor verde e uniforme por completo. Não havia nuvem alguma no céu e o sol esturricava em sua hora mais dramática. Do nada, uma faixa extensa escureceu no mar e movimentando-se rapidamente, como se um cardume realmente faraônico, viajasse sob a água. E ficamos nessa explicação. A beleza de tudo era extraordinária.
Abertos aos instantes seguintes, agora sem o efeito do cogumelo, embora serenos e felizes, encontramos um restaurante central de Cotovelo, descemos na praia, onde tinham mesas e ali haviam garçons servindo, sentamo-nos numa sombra de árvore imensa, pedimos filé de peixe e batatas fritas, pasteis de camarão, cerveja e caipirinha.
A tarde inteira lembramos os detalhes intermináveis daquele dia, não mencionados, simplesmente porque cabiam ao momento e não tem explicação. Conversamos sobre seu passado, como ele havia conhecido minha mãe e as circunstâncias em que viveu na época. Rimos das pessoas que pareciam caricaturas, compramos cocadas de abacaxi e coco. Estava tudo muito delicioso e parecia completar a satisfação do atípico dia.
Meu pai ainda foi tomar um banho no mar e no rasinho deitou-se bolando de um lado ao outro de tanto rir. Eu ria da mesa, embora não soubesse de que exatamente. O fato é que só tínhamos motivos para rir e alto. As pessoas nos olhavam meio interrogativas, meio sérias, outras riam também sem entender. A tarde passou, encontramos alguns conhecidos, conhecemos outros. Pagamos a conta e voltamos para a falésia onde iniciamos a experiência e onde também a concluímos.
O céu parecia um arco íris largo e nítido. Estava muito diferente, muito colorido e forte. O sol tomava uma coloração cada vez mais vermelha, até escurecer aos pingos de brilhinhos que surgiam da escuridão acima do horizonte.
Entre o horizonte e nós, o mar e a falésia. Entre nós e o todo, um imenso respeito, gratidão, e luz, apesar da noite. Estávamos cansados, mas aquela força toda era um presente turbinado de emoção. Vida pulsando em nós. Nós pulsando o amor.