Alento
Pesado. Pouco. Como uma flecha atirada ao vazio e que encosta, sem força, o chão. Assim me sinto diante desta página em branco. Talvez eu possa com rebeldia política ou com estética travessa acumular surpresas e antagonismos. Mas sem forças eu me resigno e entro no alento.
Por um momento pensei em parar de escrever bem aqui neste ponto. Desisti. Tomei mais um gole de insônia com gosto de café e solidão e passei a reparar o quão sou forte em minha debilidade. Bem que ser débil não deveria ser a minha importância. Tudo que tenho de mais meu. Mas se serve de alento o é. Por mais estranho que me pareça ser estranho é o que me sobra.
Ah como gostaria de dormir o sono normal de todos. Mas não consigo. Parece que meus olhos pesam de tal maneira e tão diferente do restante que eu não me aparento com nada que vejo. Tenho um brutal desconforto. Tenho um total desprestígio por mim mesmo. Sou cru em minhas palavras e não as obedeço. Lógica estranha a de quem verseja. Lógica estranha a de quem não sabe ficar quieto e tem que ter além de tudo uma voz uníssona com tudo e de toda a forma. E aí só sobra o alento. Soçobra o alento. Quereria gritar em diversas línguas e dialetos, mas não tenho motivos. O que está mais alto que a minha insanidade e ser comum. A infiel corrente que me prende ao que se é sempre. Louca sensação de estupor perante tudo. Quero a anormalidade, mas esta não é dada por convenção. Muitas e frias vezes não existe. Não é. Não está. Não tem. Não pode.
Queria ter a crueza de um Caio Fernando Abreu ou a sisudez de poucos traços de um Leminsky. Mas, não o tenho. Escorrego por tantas linhas para dizer que sou refém do alento, coisa tão vulgar e ignóbil. Coisa tão simples e acesa em minha testa. Porém, eu preciso me compor e recompor e descompor sempre. Eu preciso estar com a pá e com a britadeira das palavras nas mãos. Cimento e cascalhos. Tecido e retalhos. Chuvas e charcos. Preciso do desassossego de Bernardo Soares. Preciso do destempero de Eça de Queirós e toda a sua ternura pela decadência. Contento-me com o alento. Somente escrevo. Já me dou por satisfeito que junto frases. Que crio contextos. Que existo em verbos. E sempre que me incomodar toda este caráter ordinário eu irei olhar para o que escrevo e dizer copiosamente. Eu poderia morrer em silêncio, mas eu prefiro sobreviver com um verbo que algo diga...