UM SONETO BEM BONITO
Dona Magide, filha de sírio-libanês, nascida na cidade de Itapiúna no sertão do Ceará, tem os olhos azuis como o azul de uma tarde de verão em Quixadá. Aquele mesmo azul de quando o céu, como num espelho, reflete nas águas do açude do Cedro.
Aos 89 anos, bem vividos, cabelos prateados, conta-me com alegria, vivacidade e impressionante lucidez, como se fosse hoje, histórias do tempo em que ainda era menina. A memória não lhe falha. Lembra-se de coisas antigas com riqueza de detalhes, como da vez que soube que um poeta famoso estava hospedado em um hotel da cidade. Ele escrevia sonetos para quem fosse pedir. Ele já estava de partida, mas dona Magide, então pediu ao poeta que lhe escrevesse um soneto.
- Em que sentido? – perguntou o poeta.
- Não sei... Quero um soneto bem bonito! – Foi o que ela disse.
E o poeta sentou-se pensativo. Por um instante rebuscou as palavras, como se colhesse frutos voláteis no ar. Ao terminar, passou-lhe os versos. O céu azul refletiu nos olhos da menina que inspirou o poeta.
Na hora de partir você pedia
Que eu fizesse um soneto bem bonito
Por mais que eu pensasse não sabia
Em que sentido você tinha dito
Falou de amor, de sonho, de alegria,
De um beijo emocional doce, infinito...
Não sei, mas acho que você queria
Que eu dissesse o que aqui deixo escrito:
A vida, minha amiga, é uma quimera...
A gente sonha tudo o quanto espera,
Num desejo sem fim, não sei por quê.
E para adivinhar qual seu empenho,
Só se eu deixasse o coração que tenho,
Escrevendo um soneto pra você.
Era Rogaciano Leite, escritor, poeta e violeiro que passava por Quixadá, naquela tarde azul e os olhos azuis de dona Magide, convidaram o poeta a escrever um soneto. Bem bonito como ela havia lhe pedido.