A COISA E O TEMPO
Por Carlos Sena
O tempo não se diz de si. Nós é que dele dizemos sem lhe permitir. Fora de nós está o tempo como se nosso querer valesse alguma coisa pra ele. O tempo é mesmo essa coisa – porque qualquer coisa não serve para dizer dele, exceto a própria coisa. A gente começa a tergiversar sobre ele e o joga pra lá, joga pra cá, mas ele quieto fica e quieto ficará. Por isso o tempo tem na “coisa” seu maior distintivo. Porque coisa é meio universal em nosso idioma e serve para a gente dizer que uma cadeira é uma coisa ou uma coisa é uma cadeira. Coisa é aglutinadora. Há um menino de escola pública lá no interior pernambucano que ele não diz “coisa com coisa” ou até diz: coisa. Ele foi outro dia dizer que a professora fez alguma coisa, mas não sabia dizer o quê. Ele, naturalmente, disse que ela, a professora pediu para ele “coisar”. Seus dentes eram estragados e lhe perguntamos se não havia dentista na escola. Ele respondeu que uma pessoa da sua família era dentista e que já tinha “coisado”... Certamente que tudo não gira em torno da coisa, mas parece que ela, como palavra, é tudo e não é nada ao mesmo tempo. Porque o próprio tempo em suas metáforas, extemporaneidade e demais ramificações é soberano. Por isso não se diz de si? Por isso é que nós nos tornamos seus escravos?
Compreender o tempo vai além da filosofia. Porque na juventude o tempo parece ludibriar e o faz tão bem que as pessoas quando se dão conta... O primeiro cabelo branco! A primeira indiscreta ruga! Os frescores da pele, o brilho no olhar, começam a ganhar novos formatos por conta do tempo que passa... “Esse tempo é mesmo uma coisa”, ora direis! Por vezes nos sentimos dentro dele, mas por outras nos sentimos fora dele. Ele ignora e segue em frente. Ou não, para os mais vaidosos para quem ele só passa para os passados, para os que já amadureceram... Mas, os maduros já não pensam tanto assim a respeito dos mais velhos... Essa coisa que é o tempo é mesma uma contradição em si, sem deixar de dizer ser ele uma das nossas grandes certezas...
Lá afora o tempo muda. As nuvens escurecem e cai um “toró”... Esse é o tempo de fora. Lá dentro tudo muda, a gente ora cala e ora fica muda. Esse é o tempo de dentro... OU não? Procuremos, pois, as respostas nos arquivos do passado. Não haverá gavetas, nem pastas, nem computadores que nos permitam ir lá, “ver in loco” as marcas do tempo. Pra que arquivos se temos a memória? Mas, que memória serve para recuperar, por exemplo, o tempo perdido. Mas, o tempo não se perde, poderemos nos dizer. Ou não? Ou não será que quem se perde dele somos nós, pobres humanos atordoados entre o “ser e o não ser” quando talvez a vida ignore esses princípios?
Às vezes nos encafifa não saber o momento exato do tempo. Um jogo de futebol tem dois tempos e tem dois lados. Num primeiro tempo do jogo a gente sabe que se faz de um lado e o outro, no segundo tempo. Mas, e a vida tem quantos tempos? É aí que o caldo entorna, mas não dobra o tempo em suas dimensões sobre nós humanos. Acho mesmo que há uma possibilidade da gente dobrar o tempo diante de nós e dos nossos olhos – algo como “neutralizar” um momento em que fique visível que naquele exato momento o tempo foi fotografado: o momento exato em que um botão de rosa vira rosa propriamente dita – eis um desafio que não sei se se consegue. Certamente em montagens de TV isso já foi feito, mas na vida real talvez não seja tão simples ver essa “coisa” virar rosa... Se de todo isso for possível, sugiro outro desafio: presenciar no espelho o momento exato em que a gente perde o semblante de jovem e adquire o de adulto maduro beirando a velhice... Que coisa, não é? Na verdade tá na hora de "coisar”, quero dizer, dormir.T
Por Carlos Sena
O tempo não se diz de si. Nós é que dele dizemos sem lhe permitir. Fora de nós está o tempo como se nosso querer valesse alguma coisa pra ele. O tempo é mesmo essa coisa – porque qualquer coisa não serve para dizer dele, exceto a própria coisa. A gente começa a tergiversar sobre ele e o joga pra lá, joga pra cá, mas ele quieto fica e quieto ficará. Por isso o tempo tem na “coisa” seu maior distintivo. Porque coisa é meio universal em nosso idioma e serve para a gente dizer que uma cadeira é uma coisa ou uma coisa é uma cadeira. Coisa é aglutinadora. Há um menino de escola pública lá no interior pernambucano que ele não diz “coisa com coisa” ou até diz: coisa. Ele foi outro dia dizer que a professora fez alguma coisa, mas não sabia dizer o quê. Ele, naturalmente, disse que ela, a professora pediu para ele “coisar”. Seus dentes eram estragados e lhe perguntamos se não havia dentista na escola. Ele respondeu que uma pessoa da sua família era dentista e que já tinha “coisado”... Certamente que tudo não gira em torno da coisa, mas parece que ela, como palavra, é tudo e não é nada ao mesmo tempo. Porque o próprio tempo em suas metáforas, extemporaneidade e demais ramificações é soberano. Por isso não se diz de si? Por isso é que nós nos tornamos seus escravos?
Compreender o tempo vai além da filosofia. Porque na juventude o tempo parece ludibriar e o faz tão bem que as pessoas quando se dão conta... O primeiro cabelo branco! A primeira indiscreta ruga! Os frescores da pele, o brilho no olhar, começam a ganhar novos formatos por conta do tempo que passa... “Esse tempo é mesmo uma coisa”, ora direis! Por vezes nos sentimos dentro dele, mas por outras nos sentimos fora dele. Ele ignora e segue em frente. Ou não, para os mais vaidosos para quem ele só passa para os passados, para os que já amadureceram... Mas, os maduros já não pensam tanto assim a respeito dos mais velhos... Essa coisa que é o tempo é mesma uma contradição em si, sem deixar de dizer ser ele uma das nossas grandes certezas...
Lá afora o tempo muda. As nuvens escurecem e cai um “toró”... Esse é o tempo de fora. Lá dentro tudo muda, a gente ora cala e ora fica muda. Esse é o tempo de dentro... OU não? Procuremos, pois, as respostas nos arquivos do passado. Não haverá gavetas, nem pastas, nem computadores que nos permitam ir lá, “ver in loco” as marcas do tempo. Pra que arquivos se temos a memória? Mas, que memória serve para recuperar, por exemplo, o tempo perdido. Mas, o tempo não se perde, poderemos nos dizer. Ou não? Ou não será que quem se perde dele somos nós, pobres humanos atordoados entre o “ser e o não ser” quando talvez a vida ignore esses princípios?
Às vezes nos encafifa não saber o momento exato do tempo. Um jogo de futebol tem dois tempos e tem dois lados. Num primeiro tempo do jogo a gente sabe que se faz de um lado e o outro, no segundo tempo. Mas, e a vida tem quantos tempos? É aí que o caldo entorna, mas não dobra o tempo em suas dimensões sobre nós humanos. Acho mesmo que há uma possibilidade da gente dobrar o tempo diante de nós e dos nossos olhos – algo como “neutralizar” um momento em que fique visível que naquele exato momento o tempo foi fotografado: o momento exato em que um botão de rosa vira rosa propriamente dita – eis um desafio que não sei se se consegue. Certamente em montagens de TV isso já foi feito, mas na vida real talvez não seja tão simples ver essa “coisa” virar rosa... Se de todo isso for possível, sugiro outro desafio: presenciar no espelho o momento exato em que a gente perde o semblante de jovem e adquire o de adulto maduro beirando a velhice... Que coisa, não é? Na verdade tá na hora de "coisar”, quero dizer, dormir.T