Jardim de Pano

Memória; arca mágica de recuperáveis. A beleza daquela paisagem visita-me, quase sempre. O tempo inexistia em minha infância, protegida e imóvel. Tomava seu real significado, tempo sem tempo e podia ser todo meu, perdido naquela imagem inesgotável de murmúrios. Minha meninice, emoldurada pela janela, guardou o belo daquela casa à beira-mar, cercada de trigais farfalhantes e, dos azuis, dos amarelos e verdes, em recônditas retinas. Reaparecem, em meu socorro nos momentos tediosos, agora que o tempo existe e desliza lentamente, em meu carcereiro mundo adulto.
Via, de meu posto perpétuo, ao longe, estendidos num varal, tremulantes ao vento, lençóis brancos, aqui e ali entremeados de cor. Ruídos silenciosos vibravam na atmosfera, reforçando a contemplação.
Do vento, a presença discreta, se impõe. Vejo a aragem que ondula a relva e faz os panos voarem em piruetas artísticas sombreadas pelo sol. A certeza do invisível aguça, pouco a pouco, meu olhar. Arguto, dele pouco escapa. Ah! A dança das roupas ao som e ritmo do vento, que tantas vezes acompanhei, em vôo rasante, mergulhando entre os corredores inquietos das velas desfraldadas Sei sem tocá-las da maciez guardada nas tessituras dos lençóis, das texturas daqueles panos-flor, cetim em pétalas, folhas de veludo.
Mais do que olhar, escutava aquela paisagem. Falava devagar, sussurrante, tímida, desacostumada de que a ouvissem. Contou-me o segredo daqueles varais que ainda hoje me deslumbram; sustinham um jardim: - ‘então eu não sentia os perfumes’? Um Jardim de Pano, pairando acima da superfície da terra, quase solto em constante coreografia no ar.
Célia Regina Marinangelo