AOS HOMENS CULTOS
Eita!
já que não posso dessa vida
dela desbancar
Venho de terras desse Brasil,
desigual e que se nega
a comida e oferece desabrigo
Eita!
senhores excelsos e doutos,
não sabem,
mas encastelados em salas atapetadas,
promovem à morte gerações continentais
O que pensam?
O que pensam e o que veem
defronte ao espelho?
Cidades e viadutos abrigam pobres almas
E fardados homens da lei,
ignoram a que servem
e contribuem para o flagelo de homens e filhos
Mães,
Tristes mães choram seus filhos
Filhos,
Tristes filhos aventuram-se
sobre precipícios sociais
A escola não ensina
A cadeia lota
Por que?
A autoridade vomita bravatas,
lança planos e encarcera infâncias
De posse de caneta dourada,
a excelsa cabeça togada,
sentencia às grades outro pobre coitado
São homens animais,
assim os querem as autoridades
e também a mediana classe
faminta por vingança
E nos morros,
casas inabitadas servem de abrigo
Vem a chuva,
tudo cai e corpos são encontrados
Noticia-se a tragédia
E a autoridade lança planos
Tão logo depois dos sepultamentos,
já não lembram de nada,
e à rotina todos voltam
Tem jogo!
Estádio lotado
Viadutos lotados
Goooool!,
esbraveja o narrador,
Friooooo,
balbucia entre os dentes
o pobre ser sobre o chão gelado
Acaba o clássico
e todos retornam as suas casas
e todos se esquecem, pão e circo
Alegria, alegria
vem o apresentador sorridente
O espetáculo não pode parar
e a plateia, letárgica e cega repete
Alegria, alegria
Outro comercial
Corpos delineados à bisturi desfilam
Muita prótese e zero de sinapses
Ter e parecer vence o jogo
Ser já não mais importa, tudo flui
Flui-se a vida, desejos e sonhos fluem-se
Tudo flui,
como um rio regido pela inércia
Pouco importa o sofrimento alheio
Chamem o Gerson!
Tem que se levar vantagem em tudo
A magérrima criança não chegará aos vinte
E daí?!, é só uma criança indo ao encontro do Senhor,
dirão bispos e padres e todo o rebanho
A douta autoridade adentra no carro oficial,
feliz e responsável, e cercado de dedicados bajuladores,
sentenciará outros coitados
E escolas, hospitais e comida faltarão
Não importa; bancos faturam aos montes
Mendigos surgem aos montes
E a cidade, triste e sem luar,
dorme o sono dos inocentes