No trem de Carapicuiba a São Paulo. É dia das mães.
Eu me lembro da última vez que a vi com vida, internada na uti depois de um ataque do coração. Ela estava preocupada com quem ia dar comida aos passarinhos. E que não tinha açúcar. Não lembrava se tinha pó de café. Na última vez que a vi nos seus últimos dias de vida... Como vão viver os passarinhos sem comida? Como vai ser a vida sem açúcar? Como é que vai ser uma casa sem pó de café?
Como é que vai ser a vida de todos, a vida de cada um, de um por um, quando a vida tiver de ser qualquer coisa assim sem ela?
Quando tenho saudade dela, venho ver minhas irmãs e meus irmãos, as filhas e os filhos deles e os filhos e as filhas destes. E em cada um destes eu a encontro, porque em cada um destes ela ainda vive, um traço, um jeito, um sinal, uma lembrança.
A comida para os passarinhos, o açúcar, o pó de café. Tudo nesses detalhes que parece apego não é. É desapego. Como quem diz "eu tenho que ir, cuidem-se e cuidem de tudo".
E este último gesto me ensinou que a morte não assusta, faz com que a vida tenha mais valor e cada instante mais importância. Torna ricos aqueles que são rodeados de família por todos os lados.
É esse detalhe que hoje carrego comigo. A certeza de que a vida segue sendo e que é só vivendo é que a gente aprende a dor e a delícia da vida, a morrer e a renascer a cada instante.
E assim é que todo dia é tudo novo.

(12/05/2013 - 10:18)
Marcos Lizardo
Enviado por Marcos Lizardo em 12/05/2013
Reeditado em 25/04/2021
Código do texto: T4287251
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