Carvão, carvoeiro
Não tinha medo,
afinal,
era brinquedo inocente,
foi a tia quem deu.
Deitar na linha do trem
não tinha perigo,
perigo algum.
Um a um,
trilho após trilho,
a ferrovia crescia
criando empecilho
no chão da sala.
Maria-fumaça seguida por
carvoeiro e vagão,
a composição estava pronta,
vamos partir!
Bonecos plásticos
em miniatura
se despediam dos parentes,
o apito de alerta
na hora certa do embarque.
Das janelas,
viam paisagens exclusivas.
Um par de chinelos,
amarelos como limas,
pousados sobre as felpas
do tapete.
Uma mesa de centro gigante
e um elefante com traseiro
virado para porta de entrada.
Dava sorte, como dava!
Sobre a estante,
um galo metereologista.
Se ficasse azul,
o dia seria de sol
e se acinzentasse...
Uva uva uva!
Um belo dia de chuva.
Adivinha?
O galo estava cinza!
Foi quando a placa
avisou sobre o declive.
O trem descia a serra,
descia e descia.
De repente foi mais
e mais rápido,
perdeu o freio
e veio a notícia do desgoverno!
Maria-fumaça rolou,
o vagão descarrilou
e eu me agarrei ao carvoeiro,
que sumiu no nevoeiro.
Não dá condição de falar
nessa tal escuridão
que faz dentro da mina...
É que não tenho lanterna
para estar nessa baderna
de água e terra
de paz e guerra.
Minou tanto o medo do peito,
e o ar, rarefeito ar,
não dá condição de falar.
Vou adiante e mais fundo,
afundo com as minhocas
visitando as tocas dos tatus.
Desço mais e mais,
desapareço com o dia.
Todas as rochas cochicham
sobre meu corpo,
me excomungam as formas.
Não obedeço às normas
da dureza requerida.
Mostro meu osso e não basta.
Imaturo, imaturo
é o que ouço
e me sinto invertebrar.
Minha antiguidade é recente.
O carvão, velho ancião
de negrume retinto,
alinhavou sua máxima,
disse que até chegar ao diamante
é preciso congelar o semblante
por milhões e milhões de anos
em panos de lama.
Discursou sobre
estruturas atômicas
e finalmente o carvoeiro
estava em casa.
Dentro da mina
o carvão não tinha medo,
afinal,
era parte integrante
e eu visitante,
não dá condição de falar
nessa tal escuridão.