Segundo contato com o cogumelo mágico!

Segundo contato com o cogumelo mágico

(revelador!)

Depois da sutil e curiosa tarde em que tomei pela primeira vez o cogumelo de deus, fiquei com a sensação que havia de continuar o processo de aprendizado que aquela planta antiquíssima supunha revelar. Digo supunha, porque a ideia estava ainda um pouco superficial ou mesmo confusa. Eu havia atropelado na ansiedade e perdi a melhor parte. A presença de pessoas desconexas com a energia do lugar também havia atrapalhado a entrega, e ainda a pequena quantidade (1 grama) ingerida.

Tão logo houve oportunidade, compramos 15g. do fungo desidratado, reunimo-nos Eu, Gil e Tainah (as mesmas do primeiro ritual) com o meu pai David e o companheiro Juan. Embora alertasse aos iniciantes a importância de preparar-se corpo e mente, já que era uma experiência espiritual, apenas as três tínhamos dimensão de que quanto mais preparado estivesse, mais intenso o mundo maravilhoso e totalmente novo em que seríamos delicadamente conduzidos a participar.

Fiz o máximo de concentração na semana anterior evitando carne animal, álcool, tabaco, doces e estresses. Mergulhei em meditação, orações e tranquilidade, o rio havia de fluir e eu tinha que estar tranquilamente preparada. Marcado para o sábado de manhazinha, a mesma granja que nos acolheu na primeira vez. Na noite anterior tomei um banho de ervas e tive um pressentimento estarrecedor. Havia de conhecer o paraíso. Dormi em paz comigo unido de amor ao mundo. Acordei cedo e feliz. Todos estávamos felizes. E absolutamente tudo fluiu.

Chegamos e preparamos o espaço: encher colchão de ar, cortar algumas frutas (tivemos a ideia de levar apenas frutas e água para alimentação), acender os incensos, estender os panos, preparar as doses proporcionais às condições de cada um, estabelecida anteriormente. Assim eu e Gil tomamos 3g, o restante tomou 2g. antes, porém, fizemos uma breve oração em círculo, agradecendo o momento tão especial e principalmente pedindo sabedoria e humildade nessa interação divina com a natureza.

Não concluiu quinze minutos e algo havia se transformado. Sentia-me levemente bêbada, com vontade de dançar e derreter em risos. Eu, Juan e meu pai ficamos no rio, tudo era graça e entrega. Quando começou os calafrios internos, resolvemos ir nos juntar as meninas, sentadas no colchão, também começando a incorporar o espírito da coisa. Agora estávamos reunidos e o riso era solto, descontrolado e intrigante. Juan tentava tocar violão, meu pai tentava bolar um cigarro de rolo, eu, por algum motivo que não lembro, quis abrir meu celular. Tudo tentava inútil, já não comandávamos nossas mãos, éramos conduzidos a apenas desfrutar da felicidade plena e harmonia com o todo.

Tanto que pedi ao meu pai para trocar a música que rolava no carro, logo pertinho de nós. Paul McCartney é sempre maravilhoso, mas de repente imaginei pink floyd e tive súbita vontade de curtir. Ele foi lá e não conseguiu tirar o cd. Nenhum comando do som obedecia a ele. O som tinha vontade própria e Paul foi o escolhido para continuar tocando, misteriosamente.

O colchão (já cheio por nós) inchava sozinho e sentíamos e víamos, ele surpreendentemente, inchar sem qualquer auxílio de bomba, sopro ou nada. Sentia-me velhinha e podia perceber absolutamente tudo que os outros sentiam. Meu pai se emocionava com um azul na grama que ele não sabia explicar, e só ele via. Ele secava como eu e as minhas mãos idosas, feito uma folha se curvando espontaneamente ao cair morta. Gil parecia ter olhos maiores e de vidro, estava com uma expressão desconhecidamente compenetrada, preparando-se para uma possessão leve, dançante, mágica. Ela conseguia ver as rugas no meu rosto, minha clara expressão de velha. Juan estava enérgico, gigante, branquíssimo, ria e falava muito, dizia coisas engraçadas. Tainah descontraída, ciente e atenta a tudo que ocorria.

Estávamos em sintonia, uma cumplicidade enovelada no deslumbre de cada um. Os dois iniciantes pareciam mais susceptíveis a buscar, explorar aquele mundo transparente, lindamente inimaginável ou de longe, traduzido em palavras. Tudo era euforia explodida em risos coletivos, o estado de graça em que podíamos jurar não haver como melhorar, mais estávamos enganados.

Descemos para o rio na alegria conjunta do amor verdadeiro. Tudo estava extraordinariamente mais lindo. Era mesmo o paraíso. Uma realidade tão nítida, tão pura, que tive a certeza que no mundo espiritual não cabe a ilusão do mundo físico, que conhecemos bem.

Juan havia desligado o som, antes de descer junto aos outros para o rio. Quando ele se afastou um pouco, o som ligou sozinho e tornou a tocar o cd que nunca findava, Paul McCartney. O espírito do cogumelo é quem fazia as honras e as horas, embora estas não se fizessem incomodar, de forma alguma, aliás.

Eles seguiram ao rio e algo me deteve, porque ali eu não guiava absolutamente nada, apenas deslumbrava com privilégio de vivenciar o inefável. Então, olhando para a grama, eis que surge em minha frente, frágil e certamente se comunicando, uma borboletinha, laranja, pequena e parecia machucada. Ela rodopiou algumas vezes até pousar em minha mão. Fechei a mão com medo de perdê-la e corri até o rio para mostrar aos outros o presente que havia conquistado sem esforço.

Era como se tivéssemos atravessado uma fase. A alegria eufórica deu lugar a uma felicidade plena, harmoniosa, perfeita. Não precisávamos conhecer o universo, porque ele já pulsava em nós. Não temia, não odiava, não havia problemas. Sinceramente me sentia Alice no país das maravilhas, podia ver cada detalhe, sentir cada partícula e me comunicar com tudo e qualquer ser. A água acomodava minha pele ao livre espiar dos pássaros, longe. Os coqueiros tão importantes criaturas, tão inteligentes, tão envolvidos com o vento. A borboleta destacava sua listra laranja na asa preta. Passeando entre meus dedos podia ver seu rostinho e também sua comunicação. Ela falava algo, sibilava, mas não haviam palavras formadas, era mais um dialeto tão simples que não somos capazes de compreender. Parecia pedir ajuda, tentei alisá-la e essa parte que toquei se dissolveu. A minha doce preocupação era vê-la bem, e ela parece ter entendido quando voou independente para uma pedra e começou a abrir e fechar as asas numa dança fluida, sincronizada e acolhedora. Também podia ser uma despedida, já que depois de um tempão dançando ela voou e não a vimos mais.

Íntima, a mata me chamava. A respiração era branda, o riso constante. A realidade era mais nítida do que nunca. Um portal infinitamente celestial, a água macia cobria até a barriga o nosso corpo sentado, era transparente e pude ver o peixinho encostando na minha perna. Sua boquinha parecia beijar-me várias vezes no mesmo ponto. Tudo era amor e infância dentro de mim. O rio transportava a vida e esta se deixava levar ... eu e tudo aquilo éramos a mesma coisa.

Gil começou a movimentar o braço em volta da cabeça sem comandar o gesto. A dança vinha de dentro dela, totalmente possessa do espírito de flor. Eu apenas entendia ela, quando me olhava com olhos de vidro e nada dizia, assim choramos por entendermos sem a necessidade de falar, porque não existe essa necessidade nem qualquer outra. Despoluídas do menor grau de veneno, nós vivíamos algo incomensuravelmente grande ao mesmo tempo simples, conjunto, fatalmente real. Gil já não falava, não era humana, e sim uma flor. Sentia um amor tão grande, que uma responsabilidade amável me fez interagir com ela de alguma forma. Encostei no seu corpo e nos deixamos movimentar (sem sair do lugar, só mover-se) apenas pela correnteza. Ela estava livre, a sensação gigantesca de ser leve, solta, branda, meiga, indiferente à existência de qualquer sentimento ruim. Ela habitava um mundo paralelo que apenas eu e ela podíamos ver. E apenas ela poder ser aquele lugar, eu fui convidada apenas. Mergulhava no rio uma blusa que segurava e derramava a água em cima da cabeça de Gil. Era minha forma de expor o amor que sentia. A gratidão sem limite e o momento de tanta cumplicidade que só nós ( tomamos a maior dosagem) parecíamos penetrar.

Em paz mantivemos em companhia e ausência. Nada havia de ruim, maldoso, tedioso ou incapaz. Tudo era vento (nós também), amigo, calmo, feliz, leve, poético.

Chegaram outras pessoas e dessa vez, nada interferiu, ao contrário, pareciam incorporar naturalmente a interação. Eram três pessoas lindas; Olavo, seu filho Fabinho e a namorada Siara.

Posso escrever mil páginas tentando verbalizar inutilmente. Uma experiência dessas não tem denominação. Tão íntimo que vai até a mais profunda capacidade de amar e silenciar, não apenas ver além da pele, além do muro, além da alma, mas ser a alma. Livre. Tão coletivo que é possível ver, claramente, a pulsação do universo inteiro como uma mãe maior, e tudo que habita(mos) a compõe como partes menores e não menos importante. Na verdade não existe o importante, porque não há infortúnios. A morte inexiste, o ciclo é simples e generoso. Não existe falha, nem dor. E mesmo que houvesse dor, seria tranquilo, porque seria natural.

No fim da tarde, também na lembrança nos dias seguintes, uma sensação de paz enchia nossos corações de amor. O amor é mais que lindo, é completo, é natureza.

Shauara David
Enviado por Shauara David em 08/05/2013
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