Início dos anos 60, a população aventureira em fixar residência ... (Trecho do livro : DIVAGAÇÕES POÉTICAS)
       
        E nos lares à noite, entravam em cena os apagões e a tosca claridade dos candeeiros à querosene, coadjuvados pelo bruxulear compulsivo das chamas acesas, ofuscando o olhar que, sem mais opção, obedecia a um rito sumário e contínuo, alternando-se entre a sombra e a escuridão, quase sempre refrescadas e embaladas pelo vento que agonizava dando voltas, esmerando-se em adentrar às casas por debaixo das portas e frestas das janelas. Assim, várias crianças aprenderam a ler, contar, e a escrever heroicamente, também pelo uso constante de uma nova escrita impregnada de ousadia e perseverança, sua própria história de vida, refletida na tela da memória e nos sonhos de cada uma, nas querelas e sobressaltos entre o ato normal, simples, compreensível e a avalanche de enxurradas motivadas pelo tempo.
      Assim, caminhava o Areeiro...assim, tocava-se a vida à frente, assim, servindo de palco e cenário inssurgentes, abertos, compulsivos, imprecisos e riquíssimos em cores, atores e ações, embalando-se ao fundo musical do mais amplo e eficiente coral da natureza; “o cantar dos passarinhos, o estrilar das cigarras ressurreitas, o grito louco, rouco e feroz das enxurradas, aplaudidas pelas chuvas e o vociferar das rodas e os motores de caminhões esforçando-se nas estradas”, produzindo e contemplando à execução de verdadeiras peças teatrais ao ar livre, sem roteiros nem final de chegada, repetindo e construindo valores inerentes à consecução de uma nova vida, impregnada de inúmeras tentativas de materializar sonhos em comum. Sonhos pintados e recheados de paciência, aliados à resistência, à perseverança nos embates mais frequentes, no enfrentamento resoluto diante da natureza das ações, mescladas à dores, dissabores e amores indeléveis.

    Os seres vivos ali presentes, faziam parte de um elenco diversificado de atores, protagonizando cenas mirabolantes de  uma peça teatral reconhecida e cultuada universalmente, que tinha como endereço a própria vida. Não a vida na linguagem científica dos estudiosos do ramo, não a vida como uma tentativa para se adquirir um equilíbrio dinâmico, ou seja, a tentativa de chegar-se a um equilíbrio que representa o seu próprio fim. Definitivamente, isto só se consegue, quando se morre. Não há mais nada o que fazer, trocar, almejar, buscar, pensar, sonhar, mover-se, amar. Seria um alcançar paradoxal à manutenção da vida, uma vez que o equlíbrio seria o seu próprio fim...Travar-se-ia então, uma luta frequente entre o fazer e o desfazer-se imediatamente, para se tentar  mais uma vez e, assim, manter-se vivo através de um movimento dialético constante entre o caminhar e a ascensão ao ponto final. Uma vida sem ter que passar pela inconstância do equilíbrio dinâmico é um martírio só evitado no paraíso bíblico chamado Éden. Mas, no Areeiro não ! Lá  tinha-se motivos de sobra para a assunção à eternidade, sob uma nova óptica de vida. E a vida no Areeiro ultrapassava aos limites meramente biológico, para atender a ousadia irracional de buscar-se no extraordinário e no incompreensível, no desequilíbrio gerado pelos contratempos, na busca pelo potencialmente inatingível, a razão maior de se viver...
      A materialização de problemas atinentes a outras regiões de cidade, apresentavam um umbral de tolerância quase que semelhante ao do Areeiro. Socialmente, poucas diferenças existiam, outras ficavam por conta, apenas, da intolerância de pobres contra os mais pobres ou dos pobres contra os miseráveis. No Areeiro da época, a aquisição de um trabalho certo e registrado em carteira, era símbolo de sucesso (status), embora, grande parte da população fosse de operários da "fábrica de tecidos de Camaragibe", fundada pelos Engenheiros Antonio Carlos de Menezes e o Frances Pierre Collier em 1893. Fato por sinal muito relevante para o processo de povoamento da região, juntamente com a    construção da vila para abrigar seus operários. A vila da fábrica se estendia em torno da fábrica até a ex-sede do Centro Esportivo de Camaragibe. A escola Estadual Frei Caneca (1968), situada no centro, foi construída em terrenos obtidos após a derrubada de algumas casas da vila. A própria Rua Adélia Collier, era totalmente constituída de casas da vila da fábrica. Nela situava-se um clube chamado Vesúvio, frequentado pela "alta" sociedade."     
 
Paullo Carneiro
Enviado por Paullo Carneiro em 06/05/2013
Reeditado em 08/02/2017
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