Tudo para sobreviver
Certa feita, ao caminhar por um dos bairros de Salvador, há muito abandonado – dentre muitos -, deparei-me com cena que deveras chamou-me a atenção. Ao meu lado, um feixe de blocos amontados – em desordem – demonstrava, em sua fronte, um cartaz, onde se dizia: Casa nº 1, em cima; casa nº 2, embaixo. Casa de nº 3, ao lado.
Aquilo não é casa; é domicílio.
Em hipótese alguma aquilo é casa, ainda que muitos a amem e a tenham assim – pois tudo isso foge à ideia básica de dignidade.
O esforço contínuo para continuar vivo anula qualquer hipótese mínima de percepção de que aquilo jamais foi uma casa.
Estamos engasgados demais com esse mundo que obriga. Obriga a sobrevivermos, cada dia, para que o próximo seja tão somente como o anterior – com vida. E isso é tão forte que não nos faz ver além.
Disseram-nos que hoje tudo é diferente. Avisaram-nos que somos livres e conscientes do que somos e do que podemos. E mentiram.
Enxergar ali uma casa é mesmo que dizer que tudo está bem, tendendo a estar cada dia melhor; é dizer que antes nem isso tínhamos, e hoje temos.
Temos o quê? Um amontoado de coisas onde uma vida se sobrepõe à outra?
Não sejamos hipócritas... Vida onde o espaço do outro é conflitante com o nosso próprio não é vida, porque todos nós necessitamos um espaço mínimo conosco, sem intervenções.
A verdade é que fazemos de tudo para sobreviver.