O tempo todo de um dia inteiro que passa,
tudo o que espero, percebo, eu sei disso,
é a chegada deste momento exato
em que não há nada mais para fazer.
Nenhum papel para representar,
nenhuma máscara mais para usar,
nenhuma mentira para disfarçar,
nenhuma verdade para esconder.
E fazer ou não fazer sem ter nada,
pensar crer imaginar sonhar mais nada.
A distância exata de todos, a mais exata,
é não se deixar tocar por nenhum olhar.
A intensidade mais perfeita de tudo
é não sentir mais nada, quase nada.

Nada é tão nulo, mas tudo é desimportante.

E nessas tantas linhas não revelo,
eu resvalo a essência oca de um silêncio absurdo
e louco.
E tudo é tão pouco ferimento para tanto sangue
que perco.
E tudo tão inexistente para o tanto que esqueço,
padeço desses lapsos de vontade, a apatia,
dessa morte adiada para mais tarde quando for tarde
ou uma hora qualquer da tarde boa assim para morrer,
antes de anoitecer em mim e a madrugada me salvar,
mais uma vez trazer um outro amanhecer, renascer.
A vida segue, que a luz me cegue, a mão não consegue
segurar o tempo na ponta dos dedos envelhecidos,
a batalha vã, a luta infame, a coragem insana dessa força,
dessa força que não sei de onde, inesgotável e tão inútil.
A vida no fio da espada, ao alcance do grito desesperado
de quem não sabe o que perde e nem imagina o que tem,
a vida adiada sempre, a morte um alento, só um pressentimento,
talvez apenas mais um momento dentro de mais um momento,
no exato momento em que tudo se torna inexato.

A casa velha, a cidade perdida, a foto antiga, a lembrança esquecida,
a rua vazia, a noite fria, a esperança já tardia, amor que no peito ardia,
a fé um dia, a doce ilusão de paz, a felicidade inventada e mais nada.

Como é que se faz tudo isto que me sai?
Isto se busca ou se arranca ou caça no vento,
captura-se no efêmero do momento?

Tudo isto a gente deixa, talvez, deixa...

Não é lirismo nem inspiração ou imaginação,
é só o pensamento sobre esquecimentos.
É tudo o que a gente não leva quando vai,
é tudo que a gente não traz ao voltar atrás,
tudo o que a gente não vê, não sabe, não sente mais.
É um não lugar, lugar algum, nenhum lugar, nem além,
é onde o céu encontra o abismo, onde há só distância,
onde proximidade inexiste, onde o sonho que cismo
encontra o abismo de uma triste realidade.

É um tempo dentro do tempo que não vem...

É quando a morte encontra a verdade
e a vida segue sendo, fingindo, mentindo,
fugindo, caindo, um longo sonho sumindo.
O horror deve acontecer sempre no fim do dia mais lindo.
Mal acolhidas, as horas nunca são escolhidas,
mal distribuidas, as tristezas são mais doloridas,
mal desejada, a solidão nunca vai ser alcançada,
mal entendido, o amor nunca vai ser eternizado.

O tempo todo de um dia inteiro que passa,
tudo é só desespero.
Este momento que não chega e nunca acaba...
Marcos Lizardo
Enviado por Marcos Lizardo em 02/05/2013
Reeditado em 25/04/2021
Código do texto: T4269916
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