Um pecado cabeludo
Derrepente o olhar de Abelhinha entristeceu como a noite chuvosa.
Ninguem compreendeu porque aquela criatura sempre tão jovial, empalideceu a face, turvou o semblante e misteriosa sombra invadiu sua vida!
Ao perguntarem o porque daquilo ela apenas sussurrava:
São as "frases" da vida. E suspirava. Ah! as frases* da vida!
Eu a via um pouco descontraída quando estava com minha mãe, que a deixava à vontade sem lhe perguntar nada, nem lhe dar conselhos vazios. Se quizesse falar ela ouviria, senão, paciencia: Era discretíssima!
Uma bela tarde observei-a vindo em direção à nossa casa. Parecia decidida!
Curioso por tanto lenga lenga e sabendo que mamãe não gostava de fofocas, resolví descobrir o mistério daquelas lágrimas:
Me escondí debaixo da cama de casal onde ela gostava de arranjar e medir as roupas para costurar e fiquei.
Abelhinha se sentou na beira da cama e suspirou!
E houve um grande soluço no ar. Até a minha alma soluçava com a dela.
Fiquei escutando o diálogo:
Mamãe - Se voce está sofrendo e não quer contar pra ninguem, é melhor procurar um padre. Confessar é bom, comungar melhor ainda! Conta para o frei Pio!
Abelhinha - Não, o frei pio é muito velho, cem anos. Vai me crucificar!
Mamãe - Conta então para o padre André.
Abelhinha - deus me livre, ele dá coice até na sombra, vai me escomungar!
Mamãe - Frei Jaime foi para a Hespanha, que pena, mas o frei Leopoldo é um bom confessor. Conta pra ele e ponto final neste purgatório!
No domingo eu fiz questão de ir na missa e ficar junto do confessionário, para confirmar a confissão de abelhinha.
Observei-a na fila. Tinha uma máscara mortuária no rosto!
Quando chegou sua vez, ajoelhou-se e falou, falou. Desabafou tudo no ouvido de frei Leopoldo Maria Schultz. Era a agonia em carne e osso. Era a tristesa transbordando.
Após a confissão e certamente a absolvição daquele pecado, o seu semblante tinha melhorado bastante. Em minutos apenas, tinha se tornado mais jovem uns vinte anos.
Depois de hora ajoelhada, pagando penitencia, rezando, ela se encaminha para a comunhão e ao voltar eu a vejo com meus olhos admirados. Era uma outra pessoa e tinha um belo sorriso no rosto. Resplandecia.
Havia afastado da sua vida toneladas de entulhos, representados pelo pecado.
Depois foi viver a sua vida, cuidar do marido, regar as flores.
Mas que era um pecado cabeludo eu não tinha dúvidas,
Tinha cabelo até nas ventas!
(*Fases)