Cabelo

Eu não sei o que seria do meu cabelo comprido se ele não se embaraçasse no vento quando eu abro a janela do carro, tentando secar as lágrimas.

Eu não sei o que seria do meu cabelo comprido se eu lembrasse de como era tê-lo curto e horrível, tingido e volumoso.

Eu não sei o que seria do meu cabelo comprido se você não tivesse me dito que ele era bonito mesmo quando ele era feio.

Eu não sei o que seria do meu cabelo comprido se eu não tivesse cortado daquela vez, quando você olhou pra ele e disse que eu tinha um cabelo legal - mesmo querendo dizer que ele era bonito e não dizendo. Mas eu entendi.

Eu não sei o que seria do meu cabelo comprido se naquele dia eu não estivesse meio ousada, meio bêbada de sono, e não tivesse deitado na sua carteira. Também não sei o que seria se você não tivesse me pedido pra mexer no meu cabelo curto, meio comprido. Eu não lembro muito bem como é ter os seus dedos confundidos com os fios e com o meu coro cabeludo.

Eu só lembro que era bom. Eu só lembro que eu não lembro mais nada além dos seus dedos.

Eu não sei o que seria do meu cabelo comprido se eu não queimasse ele com o secador exaustivamente, tentando entrar num padrão que nunca existiu... E você estava certo, o meu cabelo era bonito. Sem secador. Sem tinta ou com ela. Só ele. Sem ele.

Eu não sei o que seria do meu cabelo comprido se eu não tivesse cortado tantas vezes e de tantos jeitos diferentes, pensando que você dava a mínima pro meu cabelo; ou pensando que você desse a máxima pra coisas que não fossem o meu cabelo.

Eu não sei o que seria do meu cabelo comprido se eu não tivesse cortado um mês antes de você ir embora. E não ter cortado mais depois isso também.

Acho que não ia existir cabelo comprido. Nem cabelo castanho. Nem cabelo repicado, nem nenhum tipo de franja. Nem uma única ponta dupla ou ressecada. Nem fios rebeldes ou controlados.

Acho que não ia existir cabelo. E não sei o que seria do meu cabelo.

Eu não sei o que seria do meu cabelo comprido se ele não fosse a melhor coisa em mim; a pior coisa em mim; a melhor coisa entre nós dois e os seus dedos.

Eu não sei o que seria do meu cabelo comprido se meu cabelo não fosse escuro demais pra minha pele clara, se você não gostasse disso.

Eu não sei o que seria do meu cabelo comprido se você gostasse de alguma coisa em mim além do meu cabelo comprido.

Eu não sei o que seria do meu cabelo comprido se ele não se embaraçasse no vento, quando eu abro a janela do carro, tentando secar as lágrimas.

Débora Dias
Enviado por Débora Dias em 26/04/2013
Código do texto: T4261328
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