Pequena Estrela Solitária


Miúda, de olhos grandes e inquietos. Negros como a noite , cheios de nuvens que a vida se incumbiu de formar e vez ou outra se tornaram verdadeira chuva de lágrimas, que lavou a alma, revelou as dores, mas permitiu uma nova visão do mundo.

Lutou a vida inteira. De seu, só o corpo que lhe serviu de abrigo neste mundo, o espírito que lhe permitiu voar e caminhar entre as estrelas, os sonhos escondidos que falavam de amor, os segredos guardados no fundo do coração.

Esperança? A de viver mais um dia, dentro de uma paz possível, sem medo, disposta a tudo para encontrar no sol, a força para o trabalho e na lua, o descanso proporcionado pelo dever cumprido.

Solitária presença a preencher a vida de muitos, foi fonte de consolo e equilíbrio para os que buscaram em seu colo, em suas histórias e em seu incansável poder de amar, abrigo e conforto. Cuidar de muitos, alimentar todos, satisfazer os diversos desejos e ensinar o respeito pela vida, pela natureza, pela necessidade do outro.

Conhecia a alma de cada um, era o que parecia. Viveu por isso, sempre cercada de filhos e netos que nunca foram seus de verdade, de sangue. Foram filhos e netos do seu espírito de amor e dedicação.

Exímia conhecedora de ervas, tudo sabia a respeito de chás, poções e ungüentos que tudo curavam ou aliviavam, num tempo em que a medicina era artigo de luxo.

Difícil era lhe fazer rir, afinal a vida é coisa séria, complicada de se viver, e decifrar seus caminhos exige razão, sensibilidade, seriedade e sabedoria. Não o saber que se aprende na escola, nas letras. Mas o saber que se conquista todo dia, observando os gestos e movimentos da natureza, dos animais, dos seres humanos. E os mais complicados são estes últimos. Ah! Se são! Sempre preocupados em ter. Ter tudo! Sorte, amor, riqueza, poder, sucesso, felicidade, paz. De preferência, tudo “caidinho do céu”. Tudo conseguido sem muito esforço, sem muito ter que se mexer ou “fazer por onde”.

E alguns conseguem tanto, que pouco ou nada sobra para outros. E ela se encaixa nesses “outros”, pra quem a vida não sorriu muito.
Reclamar? Adiantaria de quê? Não muda nada quando se clama no deserto. A cada um, sua cruz e seu quinhão, é o que se diz.

O silêncio consegue mais, alcança mais.
O silêncio constrói e alimenta por dentro, nos torna resistentes, intuitivos, consistentes diante da vida.
Solitária dor que amanheceu e anoiteceu, muda, quieta, calada pelos cantos da alma.
Solitária dor que vez por outra atravessava o espaço e alcançava o coração de um poeta, de um cantador, que parecia sentir no peito a mesma dor ou então adivinhar o que ia na alma de quem sofre. E então cantar é como exorcizar a dor.

E sua vida era cantar!
Cantar o tempo, a vida que segue como um rio, a nuvem que muda de forma e direção ao sabor do vento, o amor secreto que teima em buscar a luz e se mostrar ao mundo, os movimentos do mar que nunca se viu e não se faz idéia de como será. Cantar é bom! Encanta a vida.

E a vida então passa, sem que se dê conta disso. Arar o terreno que nos cabe, plantar, esperar pela colheita.
Um dia depois do outro, um sonho atrás do outro, até que a noite chegue sem fim.

E então poderemos entoar outra canção. Mais leve, radiante, que brota do universo, feita de notas doces, suaves, que encantam o espírito e se espalham pelo espaço em forma de luz, até que plenas de amor se transformam em estrela, que luminosa pisca para nós, ao ritmo dessa canção de paz.

E toda vez que olho para o céu estrelado, busco a presença dessa estrela, uma estrela-mulher que certamente terá o brilho do amor, e cantará eternamente, canções que nos permitam adormecer com o coração tranqüilo.