CONTRASTE
O dia findava sua jornada
Eis, que sob viadutos e pontes,
corpos infantis e outros já passando dos 50,
ali deitados
Sonhavam?
Se sonhavam, com que?
Um brinquedo?
Um abrigo?
O coletivo pára,
mães com seus bebês brincam
Pais, cansados, dormem
Ninguém jã não estranha
A cidade perdeu sua humanidade
Carros luxuosos buzinam
Celulares e bolsas caras,
decoram bancos de couro
Corpos sob viadutos e pontes
Coletivo lotado
Carros luxuosos
Todos são
e ninguém é
A cidade não se conhece
São estranhos no mesmo espaço
Uma fina garoa
A noite será fria
O chão é sempre frio
O farol abre
O coletivo parte, lotado
O luxuoso carro arranca
e acorda o bebê que dormia
sob uma lona verde oliva
Tristeza
A cidade perdeu sua humanidade
Muros escondidos
Escolas em escombros
Hospitais doentes
Até quando?
Até quando?
A sirene policial passa
e nas manchetes dos jornais
jovens mortos serão anunciados
Tristeza
Em passeata, empedernidos
por atrocidades juvenis,
a classe média reivindica
leis mais duras para idades
menos alcançadas pelo estatuto legal
Porém, por comodismo ou cegueira voluntária,
não atacam as causas primorosamente construídas
Tristeza
Sob viadutos e pontes
legiões de seres humanos
são esquecidos
A fome, o frio e o desabrigo
fazem desses nossos iguais,
uma massa ignorada
Tristeza
O farol abre
O coletivo continua sua viagem
e o carrão de luxo arranca
Todos seguem seu caminho
e nos viadutos e pontes,
corpos infantis e outros já passando dos 50,
dormem, mas não sabem se verão o sol
Tristeza
Os jornais não estampam
essas atrocidades, não vendem
E a classe média lota choppings
e compra jornais
Tristeza
A cidade perdeu sua humanidade