Abril
Abril
Abril dos meus tios e dos meus avós
Algo vago neste abril
Semelhante também ao abril da minha primeira escola,
quando eu descia a rua de mãos dadas com alguém que me cuidava.
Impressivo, este abril.
Não é o abril dos meus filhos, mas por que é que meus filhos teriam um abril, como quem tem meias de lã?
Abril sem conversa fiada, pragmático, abril rápido carregado de nuvens e de percepções de coisas múltiplas que fogem, escapam pelas mãos. Foge tudo neste marco em andamento parecido com um trem em fuga – conhecimentos, julgamentos, esperas.
O abril dos meus tios e dos meus avós se vê ao longe.
Este estranho abril pertence à conversa dos outros, decerto.
É muito cedo para prever.
Quiçá consiga falar dele em maio.
Conheço um sujeito que todos os dias vai para um lugar, por não ter para onde ir. Quase sempre eu o encontro, nossa convivência é difícil, mas temos isso em comum. Não temos para onde ir.
No abril dos meus tios e dos meus avós eu ficava no assento ao lado do motorista, quase sempre nas manhãs de domingo, olhando o mundo que um dia seria meu e que noutro dia iria perdê-lo. Nessa época eu esperava, tudo era muito novo e a distância entre um abril e outro parecia o caminho da raiz ao cimo da sequóia.
Este é o abril da criança que não veio, do livro publicado fora de hora, do amor que nunca, ao que parece, vai encontrar expressão na sua metade.
No abril dos meus tios e dos meus avós a luz do sol era fininha como um fio de seda e iluminava tudo tudo tudo, dentro e fora das coisas todas.
Galhardamente eu diria um abril com ar primaveril.
Quase perpetuamente eu diria: Deus perdoe os assassinos da vez e acolha os assassinados.
Em meio a tudo isso há o abril da minha mãe, sempiterno, e as temporadas com meus primos, no primeiro degrau da adolescência, jamais ocorridas em abril, pouco importa, o tempo antes era um pesado herbívoro pastando sem pressa, agora é um vulto que foge apressado saltando de galho em galho.
Prezo que toda palavra aprecie sem depreciar, um pouco ao menos.
Que toda essa espera nesse augusto mês de passagem seja apenas um truque do Guardião livrando-nos de toda fuligem e de todo o medo.
Não haveria de ser o abril de um débil mental que do outro lado do mundo brinca de cães, de fardas, de mísseis, atazanando todas as gentes de todos os lugares porque seu próprio trem está no mínimo meio século atrasado.
Outras crianças vão nascer e assim na luz diáfana da expectativa brotam as promessas de uma nova geração, com palavreado, crenças e atitudes diversas deste abril agora.
Quem sabe possamos nos encontrar e trocar experiências.
Serei um decano com lembranças prezando um dia sentir ligeiro o amor que experimentei na infância, mais aquele feixe de luz, do abril dos meus tios e dos meus avós.
(Imagem: Largo do Brás - Igreja Senhor Bom Jesus de Matozinhos, 1966)
Abril
Abril dos meus tios e dos meus avós
Algo vago neste abril
Semelhante também ao abril da minha primeira escola,
quando eu descia a rua de mãos dadas com alguém que me cuidava.
Impressivo, este abril.
Não é o abril dos meus filhos, mas por que é que meus filhos teriam um abril, como quem tem meias de lã?
Abril sem conversa fiada, pragmático, abril rápido carregado de nuvens e de percepções de coisas múltiplas que fogem, escapam pelas mãos. Foge tudo neste marco em andamento parecido com um trem em fuga – conhecimentos, julgamentos, esperas.
O abril dos meus tios e dos meus avós se vê ao longe.
Este estranho abril pertence à conversa dos outros, decerto.
É muito cedo para prever.
Quiçá consiga falar dele em maio.
Conheço um sujeito que todos os dias vai para um lugar, por não ter para onde ir. Quase sempre eu o encontro, nossa convivência é difícil, mas temos isso em comum. Não temos para onde ir.
No abril dos meus tios e dos meus avós eu ficava no assento ao lado do motorista, quase sempre nas manhãs de domingo, olhando o mundo que um dia seria meu e que noutro dia iria perdê-lo. Nessa época eu esperava, tudo era muito novo e a distância entre um abril e outro parecia o caminho da raiz ao cimo da sequóia.
Este é o abril da criança que não veio, do livro publicado fora de hora, do amor que nunca, ao que parece, vai encontrar expressão na sua metade.
No abril dos meus tios e dos meus avós a luz do sol era fininha como um fio de seda e iluminava tudo tudo tudo, dentro e fora das coisas todas.
Galhardamente eu diria um abril com ar primaveril.
Quase perpetuamente eu diria: Deus perdoe os assassinos da vez e acolha os assassinados.
Em meio a tudo isso há o abril da minha mãe, sempiterno, e as temporadas com meus primos, no primeiro degrau da adolescência, jamais ocorridas em abril, pouco importa, o tempo antes era um pesado herbívoro pastando sem pressa, agora é um vulto que foge apressado saltando de galho em galho.
Prezo que toda palavra aprecie sem depreciar, um pouco ao menos.
Que toda essa espera nesse augusto mês de passagem seja apenas um truque do Guardião livrando-nos de toda fuligem e de todo o medo.
Não haveria de ser o abril de um débil mental que do outro lado do mundo brinca de cães, de fardas, de mísseis, atazanando todas as gentes de todos os lugares porque seu próprio trem está no mínimo meio século atrasado.
Outras crianças vão nascer e assim na luz diáfana da expectativa brotam as promessas de uma nova geração, com palavreado, crenças e atitudes diversas deste abril agora.
Quem sabe possamos nos encontrar e trocar experiências.
Serei um decano com lembranças prezando um dia sentir ligeiro o amor que experimentei na infância, mais aquele feixe de luz, do abril dos meus tios e dos meus avós.
(Imagem: Largo do Brás - Igreja Senhor Bom Jesus de Matozinhos, 1966)