DESABAFO
Minha casa tem o tamanho da minha solidão. O frio que sobe pelas minhas pernas, que me obriga a usar meias grossas de lã, se mescla com o inverno do meu coração. Para mim só existe uma estação no ano; vivo o inverno da vida! Invernos rigorosos da alma não há cobertor que aqueça! O frio da indiferença,o gélido hálito do silêncio,a geada da solidão.Solidão acompanhada, solidão de corpos juntos.
Pensamentos que não se encontram, mãos que não se tocam, palavras vazias. Sonhos que se perderam sem tempo de serem sonhados. Esperanças dependuradas nos cabides do guarda- roupa, onde outras esperanças também já foram dependuradas. O quarto com a mobília indesejada, eleita por outros olhos, cheirando a tantos segredos! O velho sofá da sala, cúmplice dos meus invernos, cedeu lugar ao conjunto aveludado. O conjunto é cor de vinho...não é a minha cor predileta. Sou do Cabo Verde, das Minas Gerais, e trago impregnado na alma o verde da minha origem! Essa cor não me diz nada, não a escolhi. Presente sem aceitação não é presente, é imposição. Entrou em minha sala, se instalou... ficou à vontade. Não tem minhas digitais, não tem o cheiro da minha casa. Exala segredo! Tornou-se visita de cerimônia, permanente e indesejada, dizia tristemente minha mãe!
Eu a ouvia. De sua janela aberta para o mundo, seus olhos buscavam o paraíso perdido ou quem sabe, o paraíso sonhado. Na aridez dos seus sonhos, gotículas de orvalho... Olhos nevoados da fumaça dos cigarros,cúmplices da sua tristeza! Quantas vezes tentei ler em cada trago do cigarro, as palavras que se perdiam junto com as baforadas... Quanta coisa agonizou com a fumaça! Dores armazenadas, desidratadas de carinho, suplicantes de atenção, quem sabe.
Ela as vezes bebia... Talvez para se safar dos dias, esquecer-se das horas, das amarguras, ou mesmo da sua solidão. Absorvia o líquido mágico como se ele fosse capaz de devolver-lhe os anos. Sua água benta que quem sabe até pudesse curar-lhe as dores da alma!
O tempo, inimigo da vida, impiedoso, leva consigo os dias, arrasta os meses, consome os anos, e... as cordas do coração de minha mãe se afrouxaram. Num quarto de hospital ela ensaiava a sua partida;ali sentiu o cheiro fétido da morte.
Eu a acarinhava com o olhar... era chegado o momento do desapego, o instante final, a sua entrega aos céus!
Seu espírito voltou a Deus, ela se foi...
Depois... o silêncio do quarto, o cigarro apagado, as garrafas vazias, a casa sem vida e...a janela fechada!