O TEMPO
Por Carlos Sena


 
Gosto muito do tempo. Até brinco com ele quando digo “tempo tem” e “tempo tinha” (tem putinha). Mamãe costumava dizer que se alguém quiser saber quanto tempo é preciso pra se conhecer uma pessoa mandava “comer um quilo de sal juntos”... As relações utilizam muito do tempo em suas prerrogativas: “vamos dar um tempo” – geralmente se diz isso ao outro quando a relação não está boa. Ou mesmo boa um dos dois precisa de um tempo pra ter certeza do amor. Como se amar dependesse de tempo. A gente ama e pronto. Mas, muitos são os que entregam ao tempo suas incertezas da mesma forma que a agente entrega uma encomenda que não é nossa ao verdadeiro dono. Como disse gosto muito dele, do tempo. Gosto até mais do que de algumas pessoas que a gente entrega um pouco do nosso tempo a elas e elas desperdiçam e nos magoam e fogem de nós sem nos devolver o tempo que lhe entregamos. Por isso esse meu gostar. Diante de um problema sem solução deixo que ele se encarregue, mesmo porque o que não tem solução solucionado está. Há aqueles que abusam do tempo; que mandam dar ele a ele mesmo: dê tempo ao tempo, minha filha! Costuma dizer assim a mãe aflita porque a filha foi abandonada pelo namorado ou noivo ou marido. Achando pouco, muitos ainda se vingam do tempo: quando um jovem desrespeita um idoso, normalmente ele pensa consigo: “eu já tive a sua idade”; “preocupe-se não que o tempo passa pra você também”. Porque a rigor o idoso foi produzido pelo tempo que produziu os jovens que um dia também serão velhos... “Quem tem com que me pague nada me deve”, dizem alguns quando entregam ao tempo suas raivas, decepções de outrem... A própria Bíblia enaltece o tempo – o mesmo tempo que hoje também serve para as nossas mais diversas elucubrações: “Há tempo de plantar e tempo de colher”... Jesus teria dito: “Não te preocupes com o dia de amanhã homem de pouca fé”...  O dia de amanhã é o tempo traduzido em dias, meses, anos, eras...
Os poetas, ah os poetas! Que seria deles sem a “muleta” do tempo? Tempo que leva e que traz; tempo que faz e refaz; tempo que nos ensina sem ser professor e nos professa sem que saibamos disso. Há quem diga que o tempo é a escola da vida. Há quem diga que a dor ensina a parir. No fundo tudo isso é o tempo que está subentendido como forma. Talvez os poetas sejam os mais aliados do tempo. Eles têm o privilegio de se tornarem imortais, de viajarem no túnel do tempo através da imaginação que os versos facultam – verdadeiros alados montados nos cavalos tresloucados entre cristais e alumínios.
Que seria dos espíritas sem o tempo? Principalmente o tempo que a tudo ensina; que a todos se entrega silenciosamente e que a todos assiste aos seus sucessos e fracassos. A doutrina espírita trabalha na tridimensionalidade da existência, portanto, do tempo e das várias vidas que ela, enquanto doutrina se estabelece para o mundo... Nesse tema, gosto ainda mais do tempo quando ele dá as lições aos ímpios, enruga os rostos plastificados, transforma passos rápidos em lentos caminhares que transitam nos outonos existenciais. Gosto do tempo que desvirgina o orgulho dos poderosos de plantão e dá lições de humildade a muitos que jamais souberam acerca disso. Como vemos, o tempo é esse minuto que me lês e que já passou. É um pouco da vida que mal soa. Não seria o tempo o próprio Deus? Agora fico por aqui, pois é o que mais me conduz a creditar: Deus é o tempo...