Liberdade!

Liberdade !

Sempre possuí um espírito livre, arrojado demais para o meu tempo.

Vivi as fantasias da infância entre árvores, pedras e flores, que além de embelezarem os caminhos, interagiam com a minha vida como confidentes, cúmplices ou observadores atentos.

Muitos irmãos, muita coisa a dividir, principalmente o espaço e o silêncio.

Muito barulho e correria, muita austeridade, muito rigor e disciplina, necessários até para que a vida pudesse correr tranqüila.

Ainda bem que os sonhos, os pensamentos, os sentimentos, ninguém pode conhecer ou controlar sem nosso consentimento.

Imaginação, nunca me faltou e ao correr e brincar pelos campos, quase sempre sozinha, pude percorrer por caminhos misteriosos e fabulosos, que só a mim era dado conhecer. Só eu conhecia as palavras secretas que abriam as portas desse mundo de sonhos.

Princesa, ninfa, bailarina, sereia, fada capaz de transformar o mundo em castelo de sonhos dourados e jardins secretos.

Olhar o céu à noite, tentar contar as estrelas, esperar que elas pudessem me contar seus segredos que falam de mundos distantes, de seres de luz que ali habitam e são capazes de inspirar nossos sentimentos, nossos propósitos, nossos poemas.

Uma vida solitária, apesar de tantos à minha volta. Sem querer parecer melhor que os outros, não conseguia também me afinar com eles.

Não conseguem ver além do próprio nariz, não se perguntam o que poderá existir além das montanhas, além do mar, além da Terra que conhecemos e vivemos.

Parecem me achar diferente e, na maioria das vezes, não me perdoam por isso.

Tenho o nariz empinado, como dizem. Nasci para ser rainha, sou mandona ou tenho o rei na barriga. Talvez isso seja verdade, afinal me sinto sempre como se estivesse fora do meu lugar, do meu ambiente natural.

Falo tudo o que penso e isso parece chocar as pessoas. Não é educado para uma senhorita ou para uma dama. Será que, algum dia, me importei com isso?

Nos meus sonhos me sinto embalada pelo vento, pela música suave que se derrama do céu e sou levada, como uma pequena semente de luz, ao encontro de um paraíso distante, onde os dias e as noites me inebriam de amor e apaziguam meu coração.

O anjo, que sempre me acompanha, me fala direto à alma, dá conselhos e me desperta o desejo de crescer e alcançar o céu em mim.

Quero conhecer o amor, amar e ser amada. Conhecer outras pessoas, que como eu, anseiem encontrar o seu lugar no mundo e no coração de Deus.

Sou linda, é o que dizem, mas isso pouco me importa. Quero é poder sempre me mostrar sem disfarces, sem requintes e sem meias palavras. Sei que isso sempre dificulta um pouco as coisas, mas prefiro pagar o preço.

E os dias se arrastam lentamente, sem se importar com a pressa que tenho de viver, intensamente, o que me cabe.

E no silêncio que teima em visitar minhas horas solitárias, espero ouvir, ao longe, o som de um galope que me leve pelos caminhos do amor.

E o príncipe encantado, finalmente me arrebata em seu cavalo branco. Lindo como um artista, educado e cortês como um verdadeiro nobre, me leva a conhecer um outro mundo, novas possibilidades, novos horizontes a desbravar. Tudo é encorajador e a vida se abre em cores e perfumes.

A vida segue e parece me tomar como avalanche de surpresas, novas descobertas que ampliam a minha visão do mundo e o que posso esperar dele.

Porém, perdas e sofrimentos também fazem parte e reagimos de maneiras diferentes às adversidades. Muitas lágrimas embaçam os olhos e também os sentimentos.

A maneira de ver o mundo, nunca mais será a mesma. E a transformação que a dor impõe a cada um de nós, impiedosamente, nunca se dá na mesma direção.

O castelo desmorona, o príncipe vira sapo e a princesa se vê prisioneira em sua própria torre de ressentimentos que teimam em inundar de mágoas, os nós do coração.

E então, é escolher, entre a morte do amor e a morte de mim mesma. Já sou sonâmbula a espantar meus sonhos. Alma solitária a perambular os caminhos do desejo, que tento, em vão, ressuscitar em mim.

Já não sei quem sou, o que procuro, o que espero do outro.

Meu coração, vazio de tudo, vai se deixando penetrar pelo medo da vida, do outro dia que não tarda a chegar, medo da morte do amor, da alegria e da esperança que sempre habitaram em mim.

Mas, parece que não é um sentimento inventado por mim, ou se é, vai contagiando à sua volta.

O príncipe abandona o castelo em ruínas, levando sua parte da história, sua parte da dor, seus gestos, sua voz, seus sonhos desfeitos nesse amor.

E me sinto novamente, alma solitária, com uma nova vida para inventar.

Só que agora, tenho raízes mais fortes, gerei frutos que apesar de fazerem parte de mim, são já capazes de alinhavar seus próprios destinos.

Um novo caminho me espera, e o novo nunca arrefeceu em mim, o desejo de desbravá-lo, fincar bandeiras e assim reconhecer meus limites.

Cada vez me sinto mais intrusa nesse mundo que me cabe. Ele parece sempre pequeno para o tamanho da minha alma, mas nem por isso permito que suas tramas me acorrentem, que suas sombras me enfraqueçam, que suas garras me amordacem ou asfixiem.

Sou habitante temporária desse mundo e pretendo me despedir dele, dignamente, para que eu possa vislumbrar no céu, um dia, a estrela cujo brilho me preenche e ansiosamente espero reencontrar.

E então, estarei entre os meus, seres que compartilham comigo os mesmos anseios de conhecimento e caminham juntos em direção à mesma luz, que é eterna e brilha por nós, na imensidão.