Noite tão rasa, já é dia. Chaves na mão, chocalhos, capacete, minhas vestes de fantasia, meu gibão. Hora de enfrentar os perigos da mata. Bichos esquisitos, minhas armadilhas matutinas. Solavancos na montaria; esforço-me para não cair. Uma dor me aparece e desaparece, aqui e ali. Mesmo sem perceber o espinheiro, sinto o alfinetar de cada espinho. Garranchos de vento me riscam o rosto. A pressa é o caminho. Em cada trilha cruzada, sigo aboiando. Não existe meio, somente começo e fim. Saio, cantando para mim. Ao redor, uma leva de transeuntes estranhos, sem face, sem nome, sem o lado de dentro. Finjo que não os vejo, para não perder a graça. E solto a voz, sob a luz de holofotes. Caatinga urbana, sol que me queima a casca, lugar rude para se viver. A boiada não tem casa, nem pouso. Somos joões, marias, raimundos, seres solitários, vestidos com armaduras. Somente assim, presos em nossos mundos, enfim, nos sentimos seguros.