Porque escrevo.
Por Carlos Sena


 
Escrevo como quem bebe água. Ou como quem respira. Escrevo como quem ama ou como quem não odeia. Escrevo como quem quer vencer o tempo ou como quem, por ter medo da morte se engana dizendo pra si  mesmo ser imortal. Escrevo porque cada um sabe a dor e a delicia de ser o que é. Ou de ser o que um dia foi ou por nunca ter sido nada daquilo que o povo diz ser tudo. Escrevo porque sou atrevido. Escrevo e me atrevo ao delinear a vida que vejo nas lentes dos meus olhos verdes – ora opacos, ora azuis, ora claros como a luz do dia ou escuros como o breu da noite. Escrevo pela vocação de ser tudo e nada ser, porque as palavras nos facultam sonhos e pesadelos. Escrevo pelo peso dos anos que já me bate a porta e já não me assusta. Escrevo sem pranto sem pensar espantar cabelos brancos. Escrevo pelo temor de Deus pelo bem dos meus ais e pelo destemor de satanás. Escrevo porque há quem se sinta em mim compartilhado e porque há em mim desejos mil de justiça. Escrevo sem preguiça: se a noite é curta em mim se estica e se o dia é longo eu lhe deito no ombro e sei que mereço. Escrevo porque na escrita me atesto e, quando me detesto em palavra, disperso os maus olhados da inveja dos fracos. Escrevo por que não guardo naco de arrogância e vivo sem lembranças lúgubres do passado. Escrevo por ser hoje sábado ou domingo. Escrevo na segunda-feira e mando recado pra terça que na quarta não ata, nem na quinta pinta o sete, porque na sexta meus demônios se soltam para no sábado novamente se digladiarem. Escrevo porque me atrevo à sorte ou a desdita das línguas ferinas desiludidas por falta de beijo na boca. Escrevo por que... Porque simplesmente escrevo. Porque dou a cara a bofete ou porque não dou nada, nem pra quem quer me cheirar que não sou flor. Porque não faço do limão limonada, nem gosto da vida parecida com Polyana. Porque a vida é nua e crua, mais nua do que crua é que escrevo... Quem sabe um dia eu não coloco a vida na panela de pressão para que ela mais que nua seja cozida e comigo se deite na cama do tempo sem colchão...