Porquê os poetas vivem mais
Um velho homem sentado na ampla sala de estar desliga a TV depois de assistir ao noticiário. Habitualmente costuma ler obras sobre filosofia e psicologia. Enquanto Mozart toca ao fundo, seus pensamentos voam indeléveis, tão distantes, quanto à vaga ideia de Deus. O aroma de café que vem da cozinha serve como um fetiche ao contrário, pois o mesmo aprecia o cheiro, todavia recusa o sabor.
O dia mostra-se bonito e os raios de sol atravessam a vidraça das janelas da sala e formam desenhos enigmáticos no chão encerado e liso. No canto, à direita, fica a biblioteca com cerca de dois mil volumes. O prazer que um intelectual sente em montar uma biblioteca é o mesmo que uma mulher experimenta quando é tocada no seu íntimo através das palavras, do orgasmo e do amor. Àqueles que compartilham desse sentimento irão julgar se tais palavras se assemelham com a realidade.
As telas campestres penduradas na parede atrás da escrivaninha mostram em suas paisagens a perturbadora natureza desnudada pela arte dos pintores e seus magníficos pontos de vista.
A cada livro lido é possível compreender um pouco mais a psique humana. O crime como um viés impensável, a morte como a mãe de todas as tragédias, os valores e os pudores transmitidos pelos nossos ancestrais, à medida que, os tempos começavam a ficar coloridos e mais tarde, acinzentados.
Ao entardecer uma fina chuva começa a cair. O clima, antes abafado, agora está frio e pede que agasalhemo-nos. A lareira foi acesa. As lenhas queimam enquanto o velho homem percebe a semelhança entre os raios de sol e aquelas fagulhas de calor vindas do fogo. Aproxima-se e estende as mãos à sua frente de tal forma que permaneça aquecido e seguro.
Finda-se o concerto de Mozart indicando que está na hora de se resguardar.