Excerto do meu livro " Fonte das Escadinhas"
"(...)o marido da ti Felismina tinha uma predilecção especial
por Diogo, um criado que se tornaria seu amante. o ti
Chico tinha descoberto a sua homossexualidade com este
rapaz, casara porque era preciso mas nunca fora feliz, nem
nunca tivera prazer nas suas relações sexuais, pois faltava
alguma coisa que não sabia explicar. Com Diogo tinha descoberto
a paixão, o prazer e um grande amor. Diogo era um
rapaz com pouco mais de vinte anos, de cabelos ondulados
pretos, olhos grandes negros, um corpo esbelto e musculado,
moreno, era muito educado e inteligente. tinha andado
na escola, sabia ler e escrever, trazia consigo muitos
livros, especialmente de poesia.
No Verão descansavam junto à meda de feno e aí juntos
contemplavam a beleza do sol, os raios que incidiam
sobre as espigas de trigo e as tornavam mais doiradas, ouviam
o cantar das cigarras ao desafio, apreciavam os carreiros
das laboriosas formigas que armazenavam comida
para o inverno, deliciavam-se com os passaritos que vinham
comer umas migalhas de pão às suas mãos. Era a contemplação
da natureza em todo o seu esplendor. Comparavam
essa beleza à grandiosidade do seu amor.
No inverno, quando já não era possível o trabalho na
lavoura, acendiam a lareira do grande salão e aí se aconchegavam
num cadeirão debaixo de uma manta. Muitas vezes
Diogo lia em voz alta, com um timbre elegante e bem recortado.
A sua voz suave dava corpo à deleitosa poesia que
encantava o ti Chico. Havia alguns criados que diziam que
durante a noite Diogo partilhava a cama do ti Chico. Era
muito possível, já que a ti Felismina dormia noutro quarto.
Homem de uma visão muito à frente da sua época, exibia
uma educação e uma humanidade pouco comuns. todos
os outros criados sabiam da sua homossexualidade, mas
ninguém comentava, não só pelo respeito que tinham ao patrão,
mas também porque era um assunto tabu para a época.
Portugal estava cada vez mais distante da Europa, orgulho-
samente só como mais tarde diria Salazar, o nível cultural,
social e económico situava-se a um nível cada vez mais
afastado do que se vivia na Europa. (...)"