Dores, delícias: existir
Há dias em que sou jardim na primavera.
Floresço em todas as cores, formas e olores.
Há dias em que sou estrada longa e triste,
A espera de alguém que deixe em mim suas pegadas.
Há dias em que sou céu coberto de estrelas,
Derramo sobre a terra luz e mistério.
Há dias em que sou mar,
Por vezes calmo, por vezes enraivecido,
Arrastando para dentro de mim tudo que estiver na frente.
Há dias em que adormeço aurora e desperto crepúsculo.
Há dias em que sou poema ainda por ser escrito.
Há dias em que sou fogo em labaredas faiscantes.
Há dias em que sou lago frio preso às minhas ilusões.
Há dias em que sou realidade, noutros apenas miragem.
Há dias em que choro sem saber o porquê.
E há dias em que sinto o peito explodir em uma alegria
Que parece não ter fim.
Há dias em que a vida não faz sentido;
E outros em que meus sentidos
Amam cada pedacinho dela.
Há dias em caio no abismo mais profundo e terrível
Que se possa imaginar.
E outros em que de tão leve,
flutuo como uma melodia de Bach.
Há dias em que sou tempestade, noutros serenidade.
Há dias em que sou pesadelo, noutros nuvem viajante.
Há dias em que não me vejo, não sou nem estou
E outros em que sou inteiramente parte do todo.
Não há, todavia, um só dia,
Em que eu não seja a mais pura e bela
Contradição.