“Menina e Mulher (Ou mulher e menina)”
A doce menina tinha o sonho de encontrar o príncipe encantado.
A forte mulher tinha um homem real ao seu lado.
A menina, de vez em quando, escrevia em seu diário. A mulher tinha vergonha de escrever qualquer comentário.
E cada qual vivia como tinha que ser. A menina sonhadora suspirava imaginando a vida perfeita. A mulher, já conformada, ia passando cada dia de uma vez.
Mas a mulher tinha algo da menina. E a menina tinha algo da mulher.
A mulher era feliz com a vida real. Com as contas para pagar, com a casa, o marido e os filhos para cuidar.
A menina era feliz sendo filha, tendo a mãe para de vez em quando, emprestar o colo e se deitar.
As duas eram vaidosas, gostavam de cremes corporais, faciais, para as espinhas e para a área dos olhos.
Também não abriam mão do creme de cabelo, do esmalte nas unhas, do perfume.
A maquiagem, eu confesso, não era sempre que usavam. Pois venhamos e convenhamos com o calor que faz hoje em dia, não há maquiagem que pare no rosto!
A menina gostava de ser vista pelo amado como delicada e frágil.
A mulher tinha horror dessa última palavra. Queria ser forte. Afinal tinha o mundo nas costas.
Já a menina não tinha nada! Era só ela e seus sonhos, seus pensamentos, suas quimeras e utopias. Que sempre vinham na hora de dormir, nunca de dia.
A mulher é que era do dia.
A menina da noite, pois era nesse momento em que os sonhos vinham.
A menina se permitia os dias de “TPM” aguda.
Mas a mulher, jamais poderia demonstrar qualquer cólica. Pois senão quem iria cuidar dos filhos, fazer compras no supermercado, ir à reunião da escola, e fazer o jantar do marido?
Um dia a mulher se olhou no espelho.
Um dia se olhou no espelho a menina.
Ambas se olharam por um longo tempo.
A menina que era mulher. A mulher que era menina.
Eram uma. Uma só. Num corpo, já marcado pelo tempo. Numa mente, ainda sonhadora, que viajava como o vento!
A mulher que não podia mostrar seu lado menina. A menina que viva escondida no corpo da mulher.
Mãe, esposa, vó, profissional, amiga.
E nesse dia em que ela se olhou no espelho, (a menina mulher, a mulher menina) viu o quanto da vida já havia visto.
Quantos sonhos ela ainda cultivava, sem ao menos os ter vivido.
Quantas rugas o tempo, covardemente, já lhe tinha trazido.
A mulher continuou se olhando, saudosa da menina que havia sido.
A menina com certa tristeza, por não poder ser em seu novo corpo.
O marido entrou no quarto. Os filhos já estavam dormindo. O mais velho já estava casado e já tinha um menino.
Recebeu um beijo na testa a mulher. Recebeu um beijo no rosto a menina.
E a moça foi dormir. Com a felicidade de ainda poder trazer no peito a inocência e os sonhos. Com a alegria de já ser uma mulher, com uma família linda e com uma felicidade real.
A menina que já era mulher. A mulher que ainda era uma menina.
Thaís Falleiros, 28-02-2013