[Lirismo à-toa]

“Às vezes”, bate-me assim, um lirismo à-toa, um escape, uma vagueza de pássaro voando sobre um abismo onde qualquer tentativa de pousar termina num espinheiro seco.

Sufocam-me o mundo, as pessoas, as plantas invingadas do meu antigo quintal... Tento voar sobre os altos muros, mas isso é impossível: os muros são internos! Os sonhos não vividos são a única realidade em minha mente, pois da vida exterior, palpável como é, tenho asco, afasto-a, e esqueço-me dela prontamente. A vida exterior é exterior, e não me interesso por ela justamente por ser exterior! A vida exterior é especialista em maltratar-me... nela, estão contidos o Governo, o Estado, as regras todas — odeio as regras: deixados à solta, todos trepariam com quem lhes desse vontade, e seria infelizes do mesmo jeito! Será preciso falar mais coisas sem nexo?! Eu não sou responsável por nenhum nexo, nem meu, nem de ninguém — eu só quero falar...

O que eu não tenho é o que mais quero, sou vulgar, portanto?! E não faço sequer a contabilidade das ideias perdidas enquanto estou ao volante de meu carro nestas madrugadas desalmadas do Desterro.

Quantas ideias se evolaram pelas janelas do meu carro, trocadas por visões de instantâneos improfícuos desta cidade sem referências, sem raízes... para encontrar-me comigo, eu tenho necessidade do culto dos cadáveres do Passado, mas no Desterro, o Passado foi abolido, há apenas a perspectiva da morte por inanição intelectual.

Mas tudo isto, é só no tempo de "às vezes", pois tenho contas e impostos a pagar, minha cotidianidade é minha feitora, assim como os meus intestinos comandam o meu humor... às vezes! Tenho asco desse mundo vil — já vivi demais!

Carlos Rodolfo Stopa
Enviado por Carlos Rodolfo Stopa em 26/02/2013
Código do texto: T4161609
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