Chaleira Marrom/Memoriais de Zocha
reedição
Talvez ela esteja agora ao chão próxima ao sofá de couro, enquanto ele desaparece sob os jornais e sobrevoa a aldeia com seus olhos visionários. Talvez ao chão à beira da cama, próxima aos chinelos, ela o aguarde e o guarde como a um cão fiel até a próxima cuiada de erva-mate quente. Guardadora de odores além do tempo , aquela chaleira esmaltada, é bilha de exílios e desembarques da alma, Zocha ouve o ressoar de suas alças batendo contra si própria após cada movimento dele para derrama-la na cuia, as vezes como um grito do pássaro-ferreiro, outras como aos sinos repicando no campanário da bizantina longínqua, n'outras como o cinzel de uma batuta sinalizando uma travessia na pauta...A alça do tempo bate forte no sineiro. Na nave dos ventos sapeca a língua a água fervente do mate, aquela erva que ele tão bem conhecia, porque aprendera a sapeca-la nos terreiros dos barbaquás, nos ervais de Guarapuava...Desfolha-se o tempo, uma linha amarelecida deixa a moldura, não há gavetas que aprisionem o trotar da realidade. Ela corta couve-manteiga bem fininha. Um cheiro de alho e cebola invade a noite fria. Ela sempre era vista habitando a floresta de hortaliças que plantava. A couve vem daquela selva para ele. Um sorvo profundo de uma cuiada de chimarrão fervente queima a alma e dos olhos sangram labaredas.Há uma pauta acesa sob o frio e o cinza do tempo no fogão que queima no azul das gralhas, no inverno, um mate quente ferve o tinteiro, do chão, impassível, ela o contempla...