Dia Cinzento
Ao abrir a janela para contemplar o que me espera me deparei com um dia cinzento, e de repente os meus dias passaram conscientemente diante de meus olhos, olhos estes, que muitas vezes preferem fingir não ver, pois ao ver teria que pensar... e as vezes pensar é terrivelmente doloroso. Como sempre digo "bem aventurados aqueles que conseguem ter a felicidade medíocre de ser quem fingem ser".
Tem dias que a nossa sensibilidade parece mais aguçada e altamente disposta a alertar todas as nossas falhas; a minha sensibilidade sempre é despertada nos dias cinzentos, pois nestes dias fico mais propensa a desligar todo o meu controle e simplesmente relaxar no silêncio do meu canto.
Agora, entregue a insegurança de ser quem sou, sem ao menos saber quem realmente sou, tento me acalmar lendo as frases perturbadoras de Clarice Lispector, digo perturbadoras, pois parece que tal escritora muitas vezes lê a minha alma, gritando a minha inconstância de ser; diversas vezes, me sinto uma andarilha solitária nessa busca incessante de se descobrir, de ser e de parecer.
Rótulos, exigências e perfis, não me encontro diante dessa imensidade de valores, crenças e condutas, me sinto muitas vezes vítima do que se propõe a sociedade, pois de tanto ser o que esperam que eu seja, me perco e não sei quem sou.
Dias cinzentos me fazem esquivar do mundo lá fora e me esconder a meia luz com meu emaranhado de dilemas, dos quais, nem sei mais quais são reais e quais eu na ânsia de viver inventei... dentro de casa com meus devaneios me permito contemplar a tela do computador a espera que alguém me faça lembrar a minha identidade ou simplesmente me salve de eu mesma.
Doce ilusão que me rouba os dias que deveriam ser vividos e não sobrevividos. A realista dentro mim ri irônica: _Tola!!! Se ficar a espera de alguém que lhe salve, irá acabar se condenando a não ser ninguém.
Por que todos nós temos essa urgência de ser alguém e de pertencer a algo? Quem difundiu ideias de tal dependência de padrões? Que liberdade é essa que nos faz querer ser presos?
Não sei o que é pior querer muitas coisas ou não saber o que se quer... As vezes tenho a impressão de não pertencer a nada, a ninguém e a lugar nenhum... Ok, isso não me torna indiferente, nem especial, afinal quantas pessoas não se sentiram sozinhas em um dia cinzento?