INVENTÁRIO MENTAL
Somos tantos e nenhum ao mesmo tempo... Como gotículas que se evaporam ao Sol mergulhamos no abstrato nada que tudo engloba e como viageiros incansáveis nos debruçamos nas janelas do vácuo à procura do infinito incognoscível. A mente saturada explode em incontáveis faíscas a se dissolverem no ar, que tudo abarca, e o vazio preenche o peito, tomando formas estranhas de prazer e dor.
Somos a carga de todos nossos "eus", disformes uns pelas virtudes petrificadas a éons de tempo, presentes outros no atual estado sólido ou gasoso que nos veste. Carga pesada que deixa atrás de si rastros de sangue e violência, marcando a ferro e fogo a imagem caricata de uma humanidade que traz no gene a dualidade de escuridão e luz. Nossa cegueira tateia as bordas do portal e, como desasadas borboletas, chafurdamos no lamaçal das coisas ilusórias.
Perversas ilusões, qual sanguessugas revestindo a carne, entorpecendo os sentidos na tonteira do que pensamos ser real. Realidade tão distante ainda e cuja estrada, nas marcas que deixamos, é a radiografia cabal do pouco que trilhamos. Os vendavais nos cegam e as imagens escurecem distorcidas.
O bem e o mal das estórias de nossa infância se digladiam agora em formas concretas e o imaginário se perdeu nas trilhas do passado. Inventário mental que não equilibra os dois lados da balança... Quantos demônios íntimos teremos ainda de matar para que surja o anjo que há em nós?