Aprecie o silêncio
Sob a armadilha corriqueira por onde a vida desliza com seus jogos e truques, um céu igualmente misterioso e alheio dá à atmosfera a sutileza do brilho de suas estrelas ofuscantes, que trazem aos seres que vivem por debaixo de suas asas uma falsa sensação de ternura e plenitude, quando expõem implicitamente a solidão de suas luzes em meio ao universo. Como cada estrela situada a quilômetros de distância à outra de semelhante aparência e existência fajuta, a Lua despeja sua soberania autoritária, a mais solene e resguardada rainha, que derrama sua paixão e anseios propositalmente renegados.
Em seus passos decididos e inaudíveis, uma criatura também se resguarda em sua própria natureza misteriosa, aos olhos fechados e à mente as projeções de seus desejos importunos. O vento passeia por toda extensão de seu corpo, uma tentativa de beijar-lhe com tamanha fúria e necessidade, ainda que o mesmo mantenha-se distante de tudo a sua volta.
Ao ceder à sua curiosidade, parou de caminhar e abriu seus olhos dourados lentamente, de modo sublime e encantador. O que era costumeiro, contrastando com o seu coração congelado. Um coração que apenas bradava ao poder e orgulho, além de ostentar sua admiração de si próprio, tal como Narciso ao contemplar sua imagem refletida no espelho cristalino dos lagos. Mas por baixo de sua aparente perfeição, destacava-se por ser similar à sua companheira eterna, a majestosa Lua, enquanto os que o rondavam não passavam de estrelas. Ainda que por meio dessas nebulosas ilusionistas e solitárias em suas existências secundárias, ele procurasse sua estrela maior, o Sol que sustentaria sua luz por entre os lençóis escuros que o céu proporcionava-lhe para que a mesma brilhasse de modo soberano e singular.
Questionava-se sobre si mesmo, ainda que tentasse se convencer de que não precisava de ninguém. Mentia descaradamente a fim de encobrir o próprio vazio, junto ao seu coração cristalino e rústico que parecia desmoronar. Orgulhoso de si, sobrevoava alto como um Peregrinus, com suas asas alongadas que lhe davam a liberdade de ir aonde quisesse, sem ter alguém a impedi-lo. Com seus olhos, observava o céu que circundava, vangloriando-se de seu ilimitado poder sobre os fracos e os fortes. Mas, em seu peito, um coração velho e prestes a ruir-se clamava por algo mais, ainda que essa misteriosa joia fosse constantemente renegada por si mesmo.
Ao recordar-se de todos os seus dias solenes e inclementes, os olhos marejados denunciavam a saudade que tinha do sorriso de sua pequena. As flores que formavam a beleza da floresta traziam-lhe uma voz serena e rítmica, tornando-se uma melodia nostálgica aos seus ouvidos aguçados. A cada passagem do vento, o perfume que impregnara em suas mãos tomava-lhe o olfato, fazendo sua mente desenhar o rosto da menina que lhe ensinara o calor do desconhecido e o conforto de um abraço inocentemente intencional, quebrando-lhe as defesas, dando ao seu coração aquilo que buscara a vida toda, quando andava surdo e cego ao caminho que lhe era radiante, mas preferia permanecer na escuridão imobilizante.
Agora, jogado ao silêncio de seus devaneios, voltou a caminhar, suspirando. Após render-se ao cansaço, pela primeira vez, encostou-se junto a um carvalho jovem - ainda que surpreendesse com seu grande porte-, acalentou a cabeça ao tronco, fechou os olhos e adormeceu, sonhando estar nos braços de sua amada, que partira do mundo há muito tempo.