SACRIFÍCIO
Caía a noite quando chegamos.
Na penumbra da nave central do templo do tempo,
ajoelhados, contritos e de mãos dadas
pedimos um oráculo.
O som dos cantos e das lamentações
abafava as nossas preces quase sussurradas.
Insistimos:
- queremos um oráculo.
O cotidiano, sacerdote do templo,
em suas vestes de falsas e reluzentes pedras preciosas,
quis saber sobre as nossas oferendas,
sobre o nosso sacrifício ao deus presente,
mas nada possuíamos de valor
que não fossem as nossas vidas, a nossa fé.
Não havia bolsos nas nossas túnicas.
Não tínhamos sandálias nos pés,
jóias em ouro ou outro adereço qualquer,
tampouco incenso e mirra.
Vimos vítimas inocentes sendo imoladas
sob os sorrisos felizes dos ofertantes penitentes
pois não lhes afligia a visão dos sacrifícios de sangue...
- Oferecemos nossas almas, dissemos em coro,
- É contra o regulamento, vociferou o sacerdote.
Olhamos em nossa volta.
O ícone do passado estava imóvel.
O deus presente desceu do seu altar
e nos mostrou lágrimas e tristezas que nos assustaram.
O deus futuro sorriu e se escondeu.
Em frente ao seu altar ardia uma imensa pira
onde muitos depositavam suas esperanças
e sonhos.
Durante um certo tempo permanecemos ali
mudos e tristes.
Depois nos entreolhamos
e nos tocamos suavemente.
Primeiro um roçar de mãos...
Depois, uma troca de olhares,
um toque de lábios,
e por fim
de almas.
Como por encanto, não havia lágrimas
pois estas, sulcando as nossas almas,
não chegavam às pálpebras.
De súbito, sem que combinássemos,
arrancamos simultaneamente os nossos corações
e os atiramos na pira fumegante.
Um ligeiro perfume de rosas silvestres
inundou o saturado ar do templo.
Um profundo silêncio calou a noite.
Chamas azuis elevaram-se aos céus
e das fagulhas que saíam dos nossos corações ardentes
anjinhos brincando fizeram duas estrelas...
Estranhamente estávamos vivos.
Nossas mãos se afrouxaram.
Levantamo-nos, olhamo-nos um pouco,
olhos nos olhos, alma na alma,
e saímos caminhando lado a lado
sem oráculos do futuro,
com as tristezas do presente
e com as lembranças que tínhamos
quando, plenos de esperanças infantis,
entramos no templo do tempo
buscando um oráculo do futuro
que não obtivemos.
O presente nos cobrava um preço muito alto.
De tudo restaram as estrelas,
aquelas duas feitas das fagulhas dos nossos corações,
que os anjinhos misturaram com as demais...
Agora, quando é noite clara,
olhamos para o céu buscando nossas estrelas
(nossos corações)
Quem sabe ainda estão juntos na mesma constelação
ou, quem sabe,
se, como estrelas cadentes,
já não se precipitaram no mar
onde nunca mais os acharemos...