Poema niilista
Quero não sentir, quero esquecer,
Quero não ter sonho, quero me perder.
Não sei onde estou, já te esqueci,
Mal pensado amor.
Não te conheci, nunca te encontrei,
Não falei teu nome, nunca te abracei.
Qual a cor dos olhos?- Nunca imaginei.
Foste um mau presságio, um lapso, uma dor,
Um esquecimento, um frio, um calor.
Um pisar em falso, uma pedra no chão,
Um quase cair, uma discussão.
Foste um mais ou menos, pico de pressão,
Um dormir cansado, susto ao levantar,
Um acordar tarde, não ir trabalhar.
Um poema em branco, uma distração,
Um coice de mula, uma opinião,
Um dizer que quer, um agir que não,
Um fazer malfeito, uma usurpação.
Um café amargo, um cuspir no chão.
Uma crença finda, foste um mau dormir,
Um anjo caído, demônio a subir.
Foste um céu rasgado, inferno a queimar,
Minha consciência, quase um delirar.
Romance de Proust amor de Swann,
Chagas do ciúme, treva na manhã.
Uma fruta verde, carne por assar,
Presente de grego, dor no calcanhar.
A ira de Aquiles, Heitor a clamar,
À luz da vingança um pai a chorar.
Foste uma má sorte, quase um lamentar,
Um beijo de morte, perfume no ar,
Um ar de grandeza, uma presunção,
Um verso sem rima, a face do mal,
Tristeza constante, no peito um punhal,
O sangue jorrando, um pacto, um final!
Meu vagar noturno, naufragar em vão,
A pesca do cristo, a soma do pão,
Pobres saciados, rica diversão,
A festa da noiva, cabeça de João.
Um ardil perfeito, a conspiração,
A perda dos olhos, o encolher da mão.
Foste só angústia, grades da prisão,
Tudo para um louco, volúpia e razão.
Um poeta triste, mundo sem canção,
Foste tudo isso, minha obsessão.
Fim de um poema que não tem final,
Meu vazio eterno, a falta de ar,
A paz que procuro para não lembrar,
Da cor que pintei teus olhos no mar.
Brasília 14/03/2007
Evan do Carmo