Um curto intervalo
Talvez eu queira que a água morna continue a escorrer pelo meu corpo. Misturada à espuma, sinto tocar a ferida em minha pele. Permaneço sob a água e as lágrimas rolam. Mas não há porque se importar. Permutada à outra água, não há como distingui-la. Observo-as escorrerem, aos poucos, pelo ralo. E os pensamentos se esvaem.
Talvez tenha passado tempo demais. Ouço vozes vindas da rua. E eu continuo inerte, ainda observando as águas escorrerem. Mas é chegada a hora. A ferida, que já se acostumara à água morna, defronta-se com o ar frio vindo de fora. O meu corpo também. Observo meus pelos se eriçarem e minhas mãos tremerem. Preciso de uma comodidade. Envolvo-me à toalha macia e aconchegante. O impacto do frio diminui. Perpasso o corredor, que me parece infinito. Finalmente recosto no portal do meu quarto. Observo cada detalhe ali dentro. Cuidadosamente, abro o armário e analiso minhas roupas. Elas parecem não se encaixar em mim. Há algo diferente, talvez deixado às águas ali transcorridas. Fecho o armário. Meus pensamentos novamente se esvaem. Meus olhos se petrificam ao nada. Repuxo, automaticamente, a toalha. Há algo que eriça meus pelos, novamente. Mas não, não é o vento. É algo gelado. É algo... Aqui dentro.